Page 22
P. 22



A.S. Cruz, et al.: Sistema Infusor Intratecal Implantável de Morfina no Tratamento de Dor Oncológica Intratatavel: Qual é o Limite?
com alívio inadequado da dor. A hiperalgesia Após a identificação de um possível candi-
induzida por opióides, particularmente com do- dato para SIII, é necessária realizar um ensaio
3
ses elevadas, tem também sido motivo de preo- de triagem, que pode ser epidural ou intratecal .
cupação nos últimos anos. A seleção da técnica é em grande parte depen-
O tratamento médico integrado da dor inclui o dente da preferência do médico e das condi-
uso de analgésicos e de adjuvantes. Embora ções logísticas disponíveis. Um ensaio positivo
estes fármacos possam ser eficazes no controlo - descrito como uma redução igual ou superior
da dor, a maioria dos doentes com cancro de- a 50% nas escalas de dor (p. ex: escala visual
senvolverá efeitos secundários tais como fadiga, analógica) - tem sido usado com um indicativo
4
anorexia, sedação, delírio, obstipação, náuseas e de sucesso . O doente em questão apresentou
vómitos, afetando negativamente o estado ge- uma redução da VAS 6/7 para 1/2 no ensaio
ral e desempenho com diminuição da qualidade epidural realizado, que foi por isso considerado
de vida . positivo, procedendo-se à colocação do dispo-
12
A proporção de doentes oncológicos que sitivo.
beneficia de terapias invasivas é pequena, Um SIII é constituído por uma bomba progra-
mas esta representa uma arma terapêutica ex- mável, implantada sob a pele do abdómen e
tremamente importante, dado o nível de sofri- conectada a um cateter de longa duração no
mento destes doentes, que não respondem às local da entrada da coluna espinhal, através do
13
estratégias convencionais . A analgesia intrate- qual são administradas pequenas doses de
cal pode ser útil nestas situações de manuseio opióide por via intratecal. Isto proporciona o rá-
difícil: a administração de pequenas quantida- pido alívio da dor, com doses muito inferiores às
3
des de opióides, em estreita proximidade com necessárias por via oral ou parentérica .
os seus recetores espinhais, alcança elevadas Estes sistemas, sendo programáveis por tele-
concentrações nesses locais, atuando direta- metria, permitem a alteração da velocidade de
mente nas vias de transmissão de dor da me- infusão do fármaco de forma simples e sem ne-
dula espinhal, o que resulta numa analgesia cessidade de alterar a sua concentração. Os
superior, além da minimização dos efeitos in- fármacos utilizados, sem adição de conservan-
desejáveis 2,13 . Além destes, outros fármacos tes, devem adequados para administração intra-
com diferentes mecanismos de ação, como os tecal. O esvaziamento ou preenchimento do dis-
anestésicos locais, podem ter um efeito anal- positivo pode ser facilmente conseguido através
gésico aditivo ou sinérgico. Num estudo pros- de uma punção com agulha apropriada, sob
petivo, randomizado e multicêntrico, o uso de técnica assética. A perda súbita de eficácia, na
SIII em complemento do tratamento médico ausência de um crescimento tumoral rápido, le-
integrado foi superior no controlo da dor, redu- vanta a suspeição de enventual torção ou des-
3
zindo significativamente a toxicidade, asso- conexão do cateter .
ciando-se a uma melhoria da sobrevida em Dos opóides disponíveis para administração
doentes com dor oncológica refratária, quando intratecal, a morfina continua a ser o opióide de
comparado com o tratamento médico integra- escolha, por apresentar uma melhor relação
do por si só . potência intratecal/potência sistémica, baixo
14
Embora a administração de fármacos intrate- volume de distribuição na medula espinhal e
13
cais seja um tratamento viável para a dor on- absorção lenta para o plasma . Ao administrar
cológica refratária, tanto neuropática como no- morfina, é importante recordar que este compos-
4
cicetiva , esta está especialmente recomendada to é metabolizado em morfina-6-glucoronido e
quando há um componente neuropático signifi- morfina-3-glucoronido, existindo um limite para
2
cativo , nomeadamente neuropatia grave por a quantidade do último composto que pode ser
invasão tumoral de plexos neurais ou paralisia processado numa administração intratecal a lon-
iminente dolorosa da medula espinhal, como foi go prazo. O excesso de opióides pode provocar
o caso deste doente. A analgesia das raízes hiperalgesia induzida, podendo ocorrer para
nervosas acima da lesão permite o bloqueio quí- além disso retenção urinária, hipotensão arterial
mico da sinalização dolorosa . transitória, entre outros efeitos adversos. Deste
12
A escolha entre os sistemas infusores implan- modo, a dose máxima de morfina intratecal re-
táveis ou bombas externas depende, principal- comendada é de 15 mg/dia 2,3,12 . Esta recomen-
mente, da esperança de vida do doente. Para dação foi baseada na evidência disponível so-
ser custo-efetiva, a implantação de SIII deve bre a segurança e estabilidade da morfina,
ser feita em doentes com expectativa de vida toxicidade, experiência clínica e boas práticas .
12
de pelo menos três meses, uma vez que o cus- Apesar de ter sido necessário ultrapassar esta
to desse equipamento é aproximadamente o dose para controlo álgico satisfatório, nunca se
mesmo que a realização de analgesia por via verificou a ocorrência de hiperalgesia, sedação,
epidural com sistemas infusores não implantá- náuseas e vómitos ou depressão respiratória. A
veis durante este período 4,9,12 . O doente em utilização deste dispositivo permitiu a realização
questão cumpria este requisito, pois o seu tumor da terapêutica analgésica intratecal em regime DOR
era localmente invasivo mas sem metastização de ambulatório, atingindo-se o controlo álgico
à distância. desejado, sendo estes fatores decisivos para 21
   17   18   19   20   21   22   23   24   25   26   27