Page 44 Guia para o Tratamento da Dor em Contextos de Poucos Recursos
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importante, mesmo não tendo a certeza sobre que examinar as diferenças raciais e étnicas na
determinantes comportamentais, genéticos ou percepção da dor, nas crenças, nas atitudes e
outros da etnicidade estarão envolvidos. nos comportamentos que possam estar na
b) No Women’s Health Surveillance Report do base das dissemelhanças encontradas na
Statistics Canada, que realizou um inquérito a cerca experiência de dor e nos quadros de dor,
de 100.000 agregados familiares, a proporção de desenvolver modelos culturalmente
pessoas do Sul (Centro) da Ásia que indicaram dor sensíveis para avaliar e tratar a dor, bem
crónica foi muito superior à de qualquer outro como métodos para disseminar essa
grupo étnico da população canadiana com idade informação e documentar o progresso no
superior a 65 anos (com 38,2% dos homens e sentido da eliminação das disparidades face
55,7% das mulheres sul-asiáticas a referirem dor ao controlo da dor, avaliando os resultados
crónica). obtidos a esse nível.
c) Num estudo transversal extenso realizado  Um alerta: a investigação etnocultural não
por uma Unidade de Dor canadiana[4], as mulheres deixa de apresentar as suas limitações. Por
eram significativamente mais numerosas do que os exemplo, a simples organização dos
homens, mas apresentavam níveis mais baixos de americanos em indivíduos de raça negra,
patologia física em quase todos os grupos (de hispânicos e da «velha» América (anglo-
naturalidade canadiana ou estrangeira). De forma saxões de raça branca, cujas famílias vivem
relevante, cerca de uma em cada duas mulheres sul- nos Estados Unidos há várias gerações) não
asiáticas foi classificada como sofrendo de elevada permite avaliar as substanciais diferenças
incapacidade causada pela dor, na ausência de sociais, culturais e económicas existentes
patologia física, sendo esta a percentagem mais entre os descendentes de pessoas que
elevada observada em todos os subgrupos vieram para a América há dois ou três
femininos. Os investigadores deduziram que estas séculos e os milhões de imigrantes recentes
doentes podiam ter sido enviadas para a Unidade de provenientes de várias partes do mundo,
Dor pelos respectivos médicos por apresentarem que podem ter adoptado, em níveis
queixas físicas, quando na realidade sofriam de mal- variados, a cultura do grupo para o qual se
estar emocional. Tal poderá, de facto, fazer sentido, mudaram ou ser de origem mista por
uma vez que os sul e centro-asiáticos integram a descenderem de casamentos inter-raciais.
mais recente vaga de imigrantes para o Canadá,  Assim, os futuros estudos deverão ter em
podendo o stresse da imigração ser substancial. conta inúmeros factores, de modo a reflectir
a complexa realidade da cultura e etnicidade
Pérolas de sabedoria e a sua influência, não apenas na percepção
e na expressão da dor, mas também no

 A investigação etnocultural encontra-se recurso aos cuidados de saúde e nos
ainda na infância. Williams [5] ressaltou que resultados obtidos com o tratamento.
os identificadores raciais e étnicos (como a
língua falada em casa, o país de nascimento, Referências
a raça, etc.) são necessários para documentar
as disparidades observadas na dor em [1] Bates MS. Biocultural dimensions of chronic pain. SUNY
situações clínicas; por isso, é importante Series in Medical Anthropology. Albany, NY: State University of New
York Press; 1996.
planear e implementar estudos prospectivos [2] Cooper LA, Beach MC, Johnson RL, Inui TS. Delving
para detectar estas disparidades, desenvolver below the surface. Understanding how race and ethnicity influence
e aferir ferramentas de avaliação da dor que relationships in health care. J Gen Intern Med 2006; 21:S21-7.
reflictam as diferenças culturais, étnicas e [3] Mailis-Gagnon A, Israelson D. Beyond pain: making the
body-mind connection. Viking Canada; 2003.
linguísticas, esclarecer a função da [4] Mailis-Gagnon A, Yegneswaran B, Lakha SF, Nicholson K,
etnicidade, tanto nos doentes como nos Steiman AJ, Ng D, Papagapiou M, Umana M, Cohodarevic T,
Zurowski M. Ethno-cultural and gender characteristics of patients
médicos, no que toca ao controlo da dor,
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