Page 9 Volume 10, Número 1, 2002
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Dor (2002) 10
nia com os objectivos do tratamento, havendo assim Os factores psicodinâmicos estão, de facto, nitida-
uma elevada probabilidade de sucesso no tratamento mente implicados nalguns casos de dor, mas os as-
ou intervenção. pectos cognitivos e comportamentais estão presentes
A dor crónica, por sua vez, é frequentemente persis- de imediato, em todos os casos, sendo que a avalia-
tente, prolongando-se no tempo e, apesar de constan- ção cognitiva e comportamental assume uma grande
tes avaliações, não tem uma explicação satisfatória importância na dor.
para o clínico e para o doente. As intervenções tera- O doente tem comportamentos em resposta à pre-
pêuticas múltiplas são frequentes e mal sucedidas. sença de dor, isto é, senta-se ou deita-se, fica inactivo
Esta dor está associada a estados emocionais de ou passivo, chora ou queixa-se de dor, comportamen-
frustração, desmoralização, desespero, sofrimento, in- tos estes que são perfeitamente observáveis pelos
sónia, irritabilidade, a inactividade prolongada, a de- conviventes mais próximos. Estas reagem a estes com-
pendência, a alteração de relacionamentos interpesso- portamentos, executando os serviços ou tarefas que
ais, familiares ou sociais, a modificação do estilo de competiam ao doente, prestando-lhe mais atenções e
vida e também ao envolvimento de múltiplos factores apoio (reforço positivo); quando o doente começa a
psicológicos e sociais que interagem, contribuindo realizar essas mesmas tarefas, ninguém repara ou é
para cronicidade. criticado (reforço por punição do comportamento sa-
É necessário distinguir respectivamente os quadros dio). Estes episódios repetitivos levam a que as res-
de dor crónica com patologia somática crónica e os postas à dor sejam reforçadas. Segundo a teoria do
casos de dor crónica sem patologia somática que a condicionamento operante, se os comportamentos são
justifique. No primeiro caso, o problema que se coloca positivamente reforçados, a probabilidade de estes
reside em avaliar se o processo de adaptação está a acontecerem aumenta, mas se, pelo contrário, estes
ser bem ou mal sucedido, isto é, se outras complica- são seguidos de estímulos aversivos, diminuem. Por-
ções e factores atrasam ou interrompem essa evolu- tanto, os comportamentos de dor e as respostas à
ção; no segundo caso, estamos perante uma verdadei- presença de estímulos nociceptivos, como a inactivi-
ra síndroma de dor crónica. dade, podem ser reforçados. De igual forma, os com-
Claro que esta divisão é simplista e, na prática, tudo portamentos de actividade são, por vezes, extintos
é mais difícil e os quadros clínicos não se apresentam pelo estímulo aversivo e punição que a dor constitui ao
definidos temporalmente nem na dualidade apresenta- exacerbarem os estímulos nociceptivos, pela mobiliza-
da. Cada caso é único e, além do mais, os clínicos não ção. Os comportamentos operantes da dor têm por
prevêem quais os que vão evoluir para a cronicidade finalidade objectiva a diminuição da dor, como a inac-
com as consequentes intervenções, contribuintes elas tividade ou a toma de medicação. Estes comporta-
próprias, por vezes, para essa cronicidade. mentos e respostas podem ser totalmente adaptados,
Assim, verificamos que, para a sua compreensão, mas também podem ser o início da aprendizagem de
são importantes outras vertentes psicológicas e con- respostas mal-adaptadas, isto é, com a continuação
ceitos cognitivos e comportamentais na análise da dor. do reforço positivo, estas respostas passam a adquirir
Do ponto de vista psicodinâmico, a dor ou a inadap- padrões de comportamentos operantes da dor, ou
tação à dor resultam de conflitos que lhes estão subja- seja, o doente exibe as mesmas respostas, o mesmo
centes. O doente mantém a dor e hipervaloriza-a, mas comportamento de dor, mesmo na ausência de estímu-
esta é apenas e frequentemente o sintoma visível de lo nociceptivo. Estas respostas são muito frequentes
uma necessidade reprimida ou sofrimento psíquico. A nos doentes com síndroma de dor crónica e estes
dor pode servir como mecanismo de defesa para evitar padrões de comportamento autónomos da presença
que o doente tome consciência de um conflito, consti- de estímulo nociceptivo muito difíceis de extinguir, já
tuindo deste modo um benefício primário, ou veículo que passam a ser controlados e seleccionados pelas
para a obtenção de ganhos ou mudanças no relaciona- respostas externas ao doente no seu ambiente familiar
mento com outros (benefício secundário). Nalgumas e social, que é também frequentemente modificado e
relações familiares fortemente solícitas, a dor pode cons- estabelecido. Os profissionais na área da dor têm,
tituir um benefício terciário. A dor pode não ter uma nestes casos, uma tarefa difícil e por vezes não com-
patologia somática demonstrável, mas pode ter um preendida pelos seus pares que, inadvertidamente,
estímulo mental simbólico ou funcional. Determinados continuam a reforçar positivamente esses comporta-
acontecimentos na vida dos pacientes originam senti- mentos.
mentos de perda ou culpa que persistem durante anos, Um outro aspecto comportamental dos doentes com
podendo encontrar expressão através da dor. Por outro dor crónica é determinado pelo medo antecipado de
lado, em casos de grande complexidade, a dor é, por sentir dor, que condiciona comportamentos de evita-
vezes, usada na relação médico/doente numa repetição mento da mesma. A dor é um sinal de perigo ou alarme
neurótica ou transferencial de outra relação. para o indivíduo, estabelecendo-se assim o medo face
Os traços psicológicos, como a dependência, des- a determinadas actividades, actividades estas que pas-
confiança, passividade, manipulação, ansiedade, po- sam a ser evitadas na ausência de dor, existindo igual-
dem igualmente predispor e contribuir para a inadap- mente determinados estímulos que, pela co-ocorrência
tação ou manutenção da dor, já que esta pode resultar frequente associada à dor, deixam de ser neutros e
desse factor psicológico latente, potenciador de uma provocam a mesma resposta na ausência de dor (con-
DOR avaliação especial e da resposta do doente à dor e dicionamento clássico). Se o medo evoluir patologica-
condições envolventes, resposta esta que seria dife-
mente, o doente passa a evitar actividades mínimas ou
8 rente se esses traços não estivessem presentes. outras sem relação com a dor, iniciando-se um círculo

