Page 12 Volume 10, Número 1, 2002
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V. Araújo-Soares, T. McIntyre, M. Figueiredo: Intervenção Psicológica: Possibilidades de Colaboração entre Distintos Campos Científicos na Dor Crónica
A recente história da intervenção psicológica na dor estudos clínicos de diferentes investigadores com pré-
não é desconhecida. Podemos dizer que terá começa- e pós-teste e dois tipos de grupos – experimental e
do informalmente há alguns séculos atrás quando os controlo – nos quais a condição a comparar seja um
curandeiros, longe das modernas técnicas farmacoló- placebo apropriado ou um tratamento alternativo. Os
gicas, utilizavam técnicas baseadas em princípios da estudos devem ser conduzidos com um manual de
distracção e mesmo formas rudimentares de analgesia tratamento e as características da amostra devem ser
hipnótica. Outro marco nesta história pode ser coloca- bem especificadas. O tratamento é considerado pro-
do em 1930, desde esta data que a ciência comporta- vavelmente eficaz nos casos onde só existe um estudo
mental se aliou à prática clínica com o objectivo de com as mesmas características do anterior ou dois
combinar um conjunto de técnicas para o alívio e bons estudos existem, mas possuem dificuldades.
confronto da dor. O trabalho de investigadores como Estas podem referir-se à heterogeneidade da amostra
Jacobson (1939 em Horn e Munafò, 1997) demonstra- ou ao facto de as comparações da intervenção serem
ram a eficácia do relaxamento muscular progressivo efectuadas em relação a uma lista de espera e não a
em múltiplos quadros, incluindo aqueles que envolvem um tratamento alternativo. Os tratamentos que não são
a presença de dor. Em 1960 Miller, et al. demonstraram pelo menos provavelmente eficazes são considerados
que a função do Sistema Nervoso Autónomo poderá terapias experimentais.
ser modificada através do condicionamento operante, Dada a diversidade das etiologias da dor – artrite,
e assim lançaram as bases para o biofeedback (Horn lombalgias, cancro (Wilson e Gil, 1996) –, uma das
e Munafò, 1997). Fordyce (1976) ao propor e demons- dificuldades encontradas na planificação de um pro-
trar o papel do condicionamento operante no fenóme- grama de intervenção consiste nas diversas tipologias
no da dor crónica veio trazer um novo tijolo para a de dor existentes: dor aguda ou dor crónica, que pode
construção do edifício da intervenção psicológica na ser causada por uma patologia identificável ou sem
dor. A teoria do Gate Control proposta por Melzack e possibilidade de identificação da sua origem biológi-
Wall (1982) demonstrou, claramente, a necessidade de ca, podendo ser benigna ou maligna. De facto, o
integrar factores neurofisiológicos e psicológicos para sintoma “dor” é algo que está associado a um vasto
a obtenção de uma melhor compreensão do fenómeno espectro de diferentes síndromas, doenças, traumas
da percepção da dor. Os modelos de intervenção ou patologias (quer físicas quer psicológicas) (Turk e
propostos por autores como Turk, et al. (1983) basea- Rudy, 1992). Apesar de toda esta complexidade, os
dos em modelos cognitivo-comportamentais abriram pacientes com dor crónica são muitas vezes tratados
mais uma porta para a intervenção psicológica neste como um grupo homogéneo que se descreve como
campo. apresentando o “síndroma de dor crónica” (Blak, 1975).
Os primeiros sucessos da intervenção psicológica Assim sendo, para estes pacientes é prescrito o mes-
surgiram da impossibilidade, sentida por alguns médi- mo tipo de intervenção, seja esta psicofarmacológica,
cos, em tratar determinados pacientes com condições psicológica ou alguma forma de integração dos dois
de dor crónica. Estes pacientes eram enviados ao tipos de tratamento.
psicólogo como último recurso; o facto de não terem Na literatura podemos encontrar diversos sistemas
conseguido fazer nada por aquele paciente fazia-os de classificação de dor crónica, que variam no grau
crer numa dor idiopática com causa psicogénica. As de especificidade. Os autores da Gate Control The-
armas inicialmente possuídas pela psicologia para in- ory, Melzach e Wall (1982), consideram que a dor
tervir nestes casos eram eminentemente comporta- pode ser inserida em três categorias diferentes: a)
mentais. Actualmente reconhece-se que uma condição dor na qual a causa é aparente, mas o tratamento é
de dor, seja de origem orgânica ou não, pode ser inadequado (p. ex. osteoartrite, artrite reumatóide);
alterada através da utilização de intervenções psicoló- b)dor sem causa conhecida, mas cujo tratamento é
gicas. Deste modo, os métodos de intervenção e adequado (p. ex. nevralgia do trigémio), e c) dor na
tratamento da dor têm evoluído para a inclusão de qual a causa é desconhecida e o tratamento inade-
procedimentos psicológicos, adicionando este vasto quado (p. ex. dores lombares, fibromialgia, cefaleias,
conjunto de novas formas de intervir com outras for- etc.). Outros autores, como Turk, et al. (1983), catego-
mas médicas de intervenção (Horn e Munafò, 1997). rizam a dor em quatro subdivisões: a) dor aguda (dor
De seguida vamos fazer uma breve revisão acerca aquando do nascimento de um filho); b) dor crónica
dos estudos controlados efectuados nesta área, quer periódica (p. ex. enxaquecas, anemia falciforme); c)
com doentes de dor relacionada com a presença de dor crónica benigna e intratável (p. ex. dor crónica
algum tipo de condição física quer com doentes que lombar), e d) dor crónica progressiva (p. ex. dor
apresentam dores não relacionadas com qualquer tipo provocada por uma condição de cancro, artrite reu-
de patologia orgânica conhecida. Estes estudos vão matóide ou osteoartrite). Alguns investigadores estão
ser avaliados tendo em conta os critérios apresenta- a tentar estudar que tipos de intervenção são mais
dos pela American Psychological Association – Divisi- eficazes com categorias de dor diferentes (Mersky,
on of Clinical Psychology – Task Force Report on 1986; Sanders e Brena, 1993; Turk e Rudy, 1992). No
Promotion and Dissemination of Psychological Proce- entanto, a resposta diferencial ao tratamento ainda
dures (Chambless, et al., 1995) – para tratamentos não foi avaliada em estudos controlados (Wilson e Gil,
empiricamente validados. De acordo com o relatório 1996). Os diferentes protocolos que têm sido utiliza-
efectuado por esta equipa de trabalho, os critérios dos incluem vários tipos de medidas psicológicas, DOR
para intervenções bem estabelecidas incluem uma comportamentais e de funcionamento geral, bem
demonstração de eficácia através de pelo menos dois como medidas físicas. Contudo, ainda estamos longe 11

