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P. Diniz, et al.: A Hiperactividade Vesical e a Alodínia Provocadas pela Inflamação Vesical Crónica São Mediadas por Aferentes Primários Sensíveis aos Vanilóides
Dor (2002) 10
A Hiperactividade Vesical e a Alodínia
Provocadas pela Inflamação Vesical
Crónica são Mediadas por Aferentes
Primários Sensíveis aos Vanilóides
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1
Paulo Diniz , Ana Charrua , João Silva , António Avelino , Francisco Cruz 1,2
Resumo
Os autores verificam a hipótese de a instabilidade vesical e alodínia presentes na inflamação vesical terem
na sua origem uma sensibilização de neurónios aferentes primários tipo C. Para isso, num modelo animal
de inflamação crónica, estudou-se a hiperactividade vesical, a expressão espinhal (L6) de c-fos e o efeito
da neurotoxina RTX, específica dos aferentes primários de tipo C, naqueles dois parâmetros. Os dados
sugerem um papel das fibras tipo C na génese da hiperactividade vesical e alodínia associadas à
inflamação vesical crónica e levantam a hipótese de os vanilóides poderem ser usados no homem como
tratamento adjuvante da inflamação vesical crónica.
Palavras chave: Neurónios aferentes primários de tipo C. Hiperactividade vesical. Vanilóides. Inflamação
vesical. Resiniferatoxina (RTX).
Introdução vidade. Além desta característica, as bexigas inflama-
das apresentam alodínia, isto é, o seu funcionamento
Estudos anteriores demonstraram que o Homem e o
animal sujeitos a lesão crónica da medula espinhal normal gera dor. Neste trabalho pomos a hipótese que
apresentam hiperactividade vesical devido à facilitação a hiperactividade associada à inflamação crónica da
bexiga pode estar associada à reactivação do reflexo
de um reflexo miccional, normalmente inactivo. Este miccional mediado por fibras C. Tal facilitação pode
reflexo é iniciado em aferentes primários de tipo C e ser consequente a uma reactivação das fibras sensiti-
depende de um circuito neuronal exclusivamente loca-
lizado nos segmentos sagrados da medula espinhal vas aferentes vesicais de tipo C, à diminuição do limiar
(De Groat, 1997). A dessensibilização daqueles aferen- de excitação de receptores nociceptivos, habitualmen-
te de alto limiar, ou à activação de receptores nocicep-
tes primários, pela aplicação de substâncias vanilóides tivos silenciosos (Habler, et al., 1990). Estas alterações
intravesicais como a capsaicina ou a resiniferatoxina poderiam igualmente estar na génese da alodínia.
(RTX), ao inibir o reflexo miccional sagrado, diminui a
hiperactividade vesical e consequentemente aumenta a Para o demonstrar, investigámos o efeito da aplicação
capacidade vesical (Cruz, et al., 1997a, b), possivel- de vanilóides intravesicais na hiperactividade vesical e
na expressão aumentada de c-fos, a nível espinhal
mente através do bloqueio do aporte sensitivo à medula num modelo de inflamação crónica, uma vez que
espinhal (Avelino, et al., 1999). Este efeito traduz-se aquelas substâncias podem inactivar os aferentes pri-
numa melhoria clínica apreciável nos doentes espinha-
lizados, nomeadamente diminuição da frequência mic- mários sensibilizados ou recrutados de novo pela infla-
cional e do número de episódios de incontinência uriná- mação crónica (Vizzard, 2000). Utilizámos como mo-
delo a aplicação intraperitoneal de ciclofosfamida, a
ria (Cruz, et al., 1997a, b). qual é metabolizada no fígado em acroleína. Este
Tal como as bexigas de doentes ou de animais
espinhalizados cronicamente, também as bexigas su- metabolito ao ser eliminado pelo rim induz uma cistite
jeitas a uma inflamação crónica apresentam hiperacti- hemorrágica.
Materiais e métodos
Foi induzida uma cistite química em ratos-fêmea da
1 Instituto de Histologia & Embriologia, Faculdade de estirpe Sprague-Dawley, por meio de injecção intraperi- DOR
Medicina do Porto toneal de ciclofosfamida (75 mg/kg, i.p.), de três em
2 Serviço de Urologia, Hospital S. João, Porto três dias, durante duas semanas (Vizzard e Boyle, 27