Page 32 Volume 13 - N.4 - 2005
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P. Silva Carvalho,S. Tavares: Dor e Doença Psiquiátrica Profunda
nicativas, afectando a qualidade de vida destes norar determinados estímulos que o distraem.
pacientes. Apesar de haver uma crença de que Estes pacientes são vulneráveis a inundação de
o doente demente seria menos sensível à dor, estímulos, fragmentação cognitiva, distúrbio do
estudos recentes evidenciam que, à medida que pensamento, induzidas pela inabilidade de pro-
o cérebro é afectado pelo processo demencial, cessar dados cognitivos e estímulos exteriores.
o seu limiar não se altera 14-16 , mesmo nos indi- Tal como os outros estímulos, a dor pode ser
víduos com doença em estádio avançado 8,17 . percepcionada incorrectamente ou mal-interpre-
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Estes doentes teriam sim respostas antecipató- tada, podendo confundir o paciente . Este pode
rias e reactivas à dor inadequadas, bem como criar explicações bizarras, por forma a conse-
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incapacidade de comunicar o sintoma e lenti- guir racionalizar a sintomatologia. A descrição
ficação do processamento do estímulo . do sintoma pelo doente pode, deste modo, ser
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O doente com demência em estádio modera- interpretada pela equipa de saúde e cuidadores
do a avançado apresenta défices cognitivos como ideação delirante, que contribui, tal como
acentuados que, não só lhe limitam a capacida- a diminuição da percepção dolorosa, para um
de de reportar a dor, como também impedem a maior risco de desenvolvimento de lesões gra-
utilização pela equipa de saúde de instrumentos ves e diagnóstico tardio.
próprios para a sua avaliação, que pressupõem A existência de sintomatologia dolorosa pode
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que determinadas capacidades estejam manti- também provocar agitação no paciente e pro-
das. Wynne, et al. mostraram que apenas um vocar descompensação da doença . Podem
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terço dos indivíduos com défices cognitivos con- também acontecer, nestes doentes, situações de
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seguiu usar as escalas de dor . Estes doentes alucinações somáticas com componente doloro-
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correm um maior risco de analgesia inadequa- so , sem que haja lesão justificativa da queixa.
da 19,20 , dado conseguirem sentir dor, mas não a
conseguirem exprimir adequadamente. Isto
pode levar a um diagnóstico tardio das condi- Depressão major e perturbações dissociativas
ções subjacentes ao sintoma doloroso, como Vários estudos encontraram uma interacção
acontece frequentemente com fracturas que marcada entre dor e depressão 5,6,32-36 . Os pa-
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passam despercebidas nestes pacientes, até cientes deprimidos são mais vulneráveis à dor ,
que são descobertas acidentalmente numa tria- assim como os pacientes com dor crónica têm
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gem de rotina para agitação ou delirium. frequentemente sintomas depressivos . A inci-
Para além de alterações comportamentais, a dência de depressão major entre os doentes
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existência de sintomas dolorosos pode levar ao com dor crónica varia de 30-54% e tem sido
desenvolvimento de síndrome depressiva sobre- descrita como mais grave quanto maior a inten-
posta e delirium. Há, no entanto, que ter em sidade da dor 6,32 , frequência e número de locais
conta que estas patologias podem surgir no do- dolorosos 35,38 . A presença de ideação suicida é
ente demenciado, na ausência de dor, manifes- também mais frequente nos pacientes com dor
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tando-se pelos mesmos sinais num doente ver- grave .
balmente comprometido 21,22 . Estas alterações Em cerca de 92% dos doentes primariamente
comportamentais são frequentes no doente de- deprimidos podemos encontrar sintomas álgi-
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menciado e constituem a síndrome psicológica- cos . Cerca de 75-80% apresentam unicamente
comportamental demencial (SPCD), que pode esta queixa como forma de apresentação da
ter por base todas estas patologias. O diagnós- doença quando avaliados nos cuidados de saú-
tico de certeza é, portanto, difícil. Num doente de primários 37,38,40 . A razão para esta intensifica-
demenciado com síndrome depressiva sobre- ção do estímulo teria por base uma maior vulne-
posta pode também ocorrer somatização com rabilidade do doente deprimido à dor, devida a
queixas dolorosas várias. um efeito modulador no seu processamento da
dimensão afectivo-motivacional . No entanto,
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em alguns pacientes com depressão major, so-
Psicoses graves bretudo naqueles com estupor depressivo (es-
Foi reconhecido em alguns estudos que os tado dissociativo caracterizado por lentificação
pacientes com psicoses têm tolerância aumen- psicomotora, indiferença, hiporreactividade e
tada à dor 23-26 . Esta falta de sensibilidade dolo- mutismo), bem como em outros estados disso-
rosa tem bases genéticas e foi encontrada tam- ciativos, estão descritos fenómenos de hipoal-
bém nos parentes próximos de doentes gesia 37,41 e limiares de dor aumentados 42-44 . Bär,
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esquizofrénicos 24,27 . No entanto, poucos estudos et al. , assim como Lautenbacher, et al. , de-
tentaram determinar até agora os mecanismos monstraram que a razão para esta contradição
fisiológicos que justificam este fenómeno. A sua se prende com o tipo de estímulo: apenas os
etiologia permanece incerta, porém pensa-se estímulos tácteis superficiais estariam diminuí-
que poderá estar relacionada com uma redução dos, enquanto todas as outras sensações esta-
da função dos complexos do receptor de N-me- riam aumentadas. As hipóteses explicativas para
til-D-aspartato . este facto são variadas, porém pouco sustenta- DOR
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O doente psicótico tem frequentemente difi- das . São necessários estudos mais conclusi-
culdades acentuadas em focar a atenção e ig- vos neste campo, que confirmem esta teoria. 31