Page 33 Volume 13 - N.4 - 2005
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Dor (2005) 13
A presença de uma dor intensa de forma pro- A literatura descreve, também, nestes pacien-
longada pode gerar também directamente res- tes, limiar aumentado ao estímulo doloroso, com
postas dissociativas como forma de «defesa» e consequente diminuição da sensibilidade álgi-
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adaptação à sintomatologia 46,47 , ou indirecta- ca , porém Nader demonstra que esta per-
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mente pelo desenvolvimento de ansiedade mar- cepção estaria intacta, com resposta comporta-
cada e depressão. mental mantida, mas com características
alteradas ao nível da tentativa de comunicação
Debilidade mental moderada a grave do sintoma.
Os pacientes com debilidade moderada (QI
entre 35-49) ou grave (QI inferior a 35) têm dé- Delirium
fices profundos ao nível da linguagem e interac- Vários estudos confirmaram a relação entre
ção com terceiros, de forma que as capacida- dor e delirium, sobretudo em situações pós-ci-
des comunicativas estão comprometidas. Nestes rúrgicas 9,58,59 . Este estado confusional agudo
doentes a avaliação de sintomas dolorosos pode pode surgir em todas as patologias acima refe-
tornar-se difícil quer por reacções idiossincráti- ridas como consequência de sintomas doloro-
cas quer por descrições vagas, sendo necessá- sos e revertido após instituição de analgesia
rio procurar pistas na observação física e do adequada. No doente psiquiátrico profundo,
comportamento do doente 48,49 . Muitas vezes es- cuja capacidade de comunicação está compro-
tes doentes recebem analgesia insuficiente , metida, pode manifestar-se pelos mesmos sinais
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podendo ter alterações do comportamento como que o sintoma doloroso e ter apenas como base
agitação, confusão e agressividade, que podem outra patologia orgânica. Também podem surgir
ser mal-interpretados pela equipa de saúde e em algumas situações delírios dolorosos sem
tratados apenas com sedação. causa física justificável, difíceis de distinguir de
A literatura é controversa quanto à percepção verdadeiras causas de dor . No entanto, dada
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álgica nestes doentes. A crença de que estes a sobreposição de sinais e dada a relação cau-
pacientes têm uma percepção diminuída do estí- sal dor-delirium, devem ser sempre pesquisadas
mulo álgico por aumento do seu limiar, tem sido possíveis causas de dor.
questionada. Defrin, et al. afirmam que estes É de salientar que a instalação de um quadro
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indivíduos não só poderiam ter uma percepção de delirium vai por si só comprometer a capaci-
normal da dor, como a sensibilidade térmica es- dade de reportar queixas álgicas, independen-
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taria aumentada. Biersdorff , por sua vez, consi- temente da existência das patologias anterior-
dera que os doentes experimentariam dor de mente abordadas.
forma alterada, com resposta afectiva ao estímu-
lo ou resposta de retirada diminuídas, demons- Conclusão
trando indiferença à dor. Nagasako, et al. dizem Da análise desta revisão, é possível concluir
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que os doentes com debilidade mental teriam que doença psiquiátrica profunda e dor intera-
uma resposta normal e apenas uma minoria teria gem de diversas formas, influenciando-se mutu-
uma hipoalgesia relacionada com neuropatias, amente. No entanto, como foi visto, a controvér-
com base em alterações genéticas que também sia é grande ainda relativamente a determinados
se manifestariam com debilidade mental. Por sua pontos deste campo.
vez, um estudo com doentes com síndrome de A dor pode predispor ou agravar doença psi-
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Down moderada demonstrou que estes pacien- quiátrica. A presença de doença psiquiátrica pro-
tes expressam dor mais lentamente e com menor funda tanto pode criar uma vulnerabilidade para
precisão. São necessários mais estudos nesta o aparecimento de dor ou potenciá-la (depres-
área para se chegar a uma conclusão válida.
são), como pode criar estados de insensibilidade
relativa (perturbações dissociativas, psicoses,
Crianças com autismo debilidade mental e autismo). A literatura é muito
Nesta perturbação do desenvolvimento da ambígua neste último ponto e os estudos mais
criança, os défices encontrados ao nível da co- recentes tendem a desmentir esta crença. Em
municação social e emocional limitam marcada- todas estas patologias há défices que afectam a
mente a expressão de sintomas álgicos; 75% capacidade de comunicação do sintoma ou que
destes doentes apresentam debilidade mental, alteram a resposta do doente ao estímulo. A con-
comprometendo ainda mais esta capacidade . clusão da existência de um limiar aumentado à
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As dificuldades encontradas nestes doentes dor nestes doentes teria por base uma interpre-
quanto à avaliação de sintomas álgicos são, por- tação errada por parte dos avaliadores, estando
tanto, as mesmas que já foram acima especifi- enviesada: estes não terão tido em conta estes
cadas para as patologias anteriores. défices como factores confundidores. As explica-
A presença de sintomas dolorosos pode levar ções fisiológicas para estas interacções entre dor
a alterações comportamentais (hiperactividade, e doença psiquiátrica são vagas e exigem inves-
DOR exacerbação de rituais, agressividade, impulsi- tigação mais aprofundada.
De qualquer modo, há que ter em conta que
vidade), ansiedade, depressão e distúrbios do
32 sono nestas crianças . o doente psiquiátrico profundo, quer pelas difi-
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