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Dor (2006) 14 R. Almeida: Dor Central – Etiopatologia e Terapêutica

Dor Central –


Etiopatologia e Terapêutica



Rita Almeida






Resumo
Devido a sua singularidade e heterogeneidade semiológica, a dor neuropática central tem sido considerada,
desde a sua descrição inicial pelos neurologistas Dejerine e Roussy, um desafio constante e um estímulo à
multidisciplinaridade.
Neste artigo é efectuada uma abordagem clínica da dor central de origem cerebral e medular, nas suas
vertentes etiológica, fisiopatológica e terapêutica. Aos casos de etiologia vascular é atribuído particular
realce, dada a sua elevada prevalência num país como Portugal, onde os acidentes vasculares cerebrais são
a primeira causa de mortalidade.

Palavras-chave: Dor neuropática. Dor central. Acidentes vasculares cerebrais.


Abstract
Described for the first time by the neurologists Dejerine and Roussy, central neuropathic pain has been always
considered a clinical challenge requiring a multidisciplinary team. Cerebral or spinal cord lesions can both
lead to central pain, with distinct underlying etiologies, physiopathology mechanisms and a similar therapy
approach. The two types of central pain will be described in separate.
Since stroke is the national leading cause of mortality, a special highlight will be given to central post-
stroke pain.

Key words: Neuropathic pain. Central pain. Stroke.



Introdução têm origem no tálamo e ascendem em direcção
Desde que foi reconhecida como uma enti- ao cortéx parietal, onde termina a via da sensi-
1-3
dade clínica, a dor central (DC) tem sido con- bilidade termo-álgica .
siderada um desafio constante e um estímulo Atendendo à trajectória anatómica descrita, vá-
à interdisciplinaridade, sobretudo a nível da rias serão as probabilidades de localização da,
vertente fisiopatológica e de intervenção tera- ou das lesões, eventualmente responsáveis pela
pêutica. DC – nível espinhal ou supra-espinhal – sendo
Define-se como uma dor de tipo neuropático, atribuído ao tálamo, desde sempre, um papel
surgindo na sequência duma lesão e/ou disfun- primordial em todo este processo.
ção primária do SNC, comprometendo as vias Do ponto de vista anatómico, a DC pode ter
3,4
de transmissão álgica, ou melhor, termoálgica origem no cérebro ou na medula espinhal . Em-
(via comum) . Recorde-se que os primeiros neu- bora partilhem algumas características comuns
1
rónios desta via contêm dois tipos de fibras, (intensidade, desconforto e incapacidade asso-
A-delta (mielinizadas) e C (amielinizadas), que ciadas), o quadro clínico e os mecanismos fi-
estabelecem sinapses a nível do corno posterior siopatológicos envolvidos são variáveis de
da medula. Os segundos neurónios vão consti- acordo com a referida localização, justificando
tuir o feixe espinotalâmico, terminando nos nú- uma abordagem individualizada. As perspecti-
cleos talâmicos. Os terceiros e últimos neurónios vas de intervenção terapêutica serão referidas
conjuntamente.

Dor central por lesão cerebral
Assistente Hospitalar Graduada de Neurologia Foi descrita pela primeira vez em 1906 por
Centro Hospitalar de Lisboa, Zona Central dois neurologistas franceses, de seu nome De-
Unidade Terapêutica de Dor Crónica 5-7 DOR
Hospital Santo António dos Capuchos jerine e Roussy . Atendendo à sua etiologia
Lisboa, Portugal mais frequente (90% dos casos) é habitualmen- 21
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