Page 19 Volume 17 - N.1 - 2009
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algumas das linhas de estudo actualmente em O sistema endógeno de controlo
curso: da dor e o desenvolvimento/envelhecimento
– Estudos epidemiológicos: quais os patama-
res etários mais afectados e que tipos de O SN sofre grandes modificações estruturais
dor mostram maior prevalência em cada um e funcionais ao longo da vida do indivíduo. As
desses patamares são as questões a que fases iniciais de desenvolvimento estão relativa-
os epidemiologistas na área da dor tentam mente bem caracterizadas do ponto de vista
dar resposta. A incidência de certos tipos anatómico/morfológico. O estudo de potenciais
de dor em patamares etários específicos condicionantes ao desenvolvimento normal, es-
poderá reflectir não só alterações neuroló- pecialmente daqueles com óbvia correlação clí-
gicas associadas ao envelhecimento como nica, tem sido o principal foco da presente in-
também realidades laborais específicas, vestigação na área. Quanto às fases mais tardias
entre outros factores. de senescência/envelhecimento, estas tem sido
– Avaliação da dor: a questão da avaliação mais difíceis de caracterizar devido ao carácter
da dor é particularmente pertinente em in- cumulativo de muitíssimos factores que acompa-
divíduos cuja capacidade de verbalizar é nham o indivíduo ao longo da sua vida. O enve-
diminuída como crianças, indivíduos senis lhecimento é um processo heterogéneo, sendo
ou comatosos. A escala visual da dor (EVA; por isso difícil de balizar aqueles fenómenos que
visual analog scale, na sigla inglesa), por cabem num quadro de envelhecimento «normal»
exemplo, embora extensamente validada daqueles que fogem à norma e, por conseguinte,
como instrumento para aferir a intensidade se consideram patológicos. Não obstante, tem sido
da dor, tem a sua validade comprometida possível estabelecer alguns padrões que aparen-
nas faixas etárias mais velhas . O desen- tam ter alguma consistência interindivíduos.
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volvimento de ferramentas adequadas para O reconhecimento de que estas duas fases da
aferir a dor nestes grupos é uma área de vida do indivíduo são muito distintas no que à dor
pesquisa da maior importância. (percepção e modulação) diz respeito, tem moti-
– Resposta à dor experimental: em ambiente vado muita investigação clínica e laboratorial.
clínico/laboratorial controlado, a resposta a Abordaremos as duas nas secções seguintes.
estímulos padronizados é investigada. Tal
como no primeiro ponto, pretende-se per- Fases iniciais do desenvolvimento
ceber qual o efeito da idade na percepção O SN em desenvolvimento não é o equivalen-
de estímulos nóxicos. te miniaturizado do SN adulto. Profundas altera-
– Adequação farmacológica: este tema vai ções ao nível molecular, celular e anatómico
para além do simples ajuste da dose ao terão que ocorrer até que se atinja a organiza-
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peso/sexo do indivíduo. A capacidade de ção adulta . Este processo reflecte-se numa
resposta (e metabolização) a um dado fárma- sucessão de patamares com características fun-
co depende da fisiologia individual que varia cionais distintas que acompanham o desenvol-
com a idade. Eventuais ganhos na eficácia vimento estrutural. O aparecimento das primeiras
terapêutica poderiam emergir de um aprofun- respostas reflexas, por exemplo, é observável a
o
dado conhecimento dessas variações. Este partir das 7,5 semanas no feto humano e do 15.
ponto tem especial relevância se for levado dia de gestação no rato, acompanhando a forma-
em conta o facto de as populações mais ido- ção de ligações funcionais entre os nervos peri-
sas serem frequentemente polimedicadas. féricos e a medula espinal. Estes movimentos
– Alterações do sistema endógeno de contro- reflexos não podem, no entanto, ser considera-
lo da dor: estes estudos, maioritariamente dos como dor na verdadeira acepção da pala-
com recurso a modelos animais, têm sido vra, já que neste período não existe um córtex
uma valiosa fonte de informação dada a funcional . Mais, até à 19. semana de vida in-
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a
possibilidade de se poder manipular e ana- tra-uterina (humano) não existem fibras C – tipi-
lisar áreas que controlam a chegada de camente associadas à condução de informação
informação nociceptiva ao sistema nervoso nóxica – a enervar o corno dorsal da medula
(SN) central. espinal, reforçando o argumento que a dor é um
– Impacto da dor no comportamento emocio- acontecimento relativamente tardio no desenvol-
nal e cognitivo. vimento do embrião/feto (aproximadamente às
No presente texto iremos abordar estes pontos 26 semanas) .
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atribuindo alguma relevância ao último ponto, As reacções desencadeadas pela aplicação
que tem sido alvo recente de investigação por de estímulos nóxicos e inócuos nas primeiras se-
parte do nosso laboratório. Os leitores interessa- manas de vida do homem e rato* caracterizam-se
dos em aprofundar as demais matérias devem
consultar a bibliografia indicada onde podem
encontrar material original e de revisão actuali- *Em termos do desenvolvimento de reflexos, o rato à
DOR zado. É nosso objectivo transmitir uma visão nascença é equiparável ao feto humano no período médio
global, ainda que pecando por superficial, do
18 estado da arte na matéria. da gravidez, aos sete dias ao recém-nascido e às três
semanas à criança com um ano (Dobbing, 1981).
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