Page 21 Volume 17 - N.1 - 2009
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Dor (2009) 17
idade; no entanto, alguns autores especulam animal velho tem que ser analisado à luz do seu
que estes fenómenos se ficam a dever respec- historial que, embora facilmente controlável em
tivamente a alterações da capacidade modula- termos da alimentação, condições de alojamen-
dora periférica e central . A especificidade do to, presença/ausência de ambientes enriqueci-
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fenómeno no idoso arrasta um outro problema dos, possibilidade de exercício, doença, inclu-
que se prende com a qualidade da avaliação da são em experiências prévias, entre outras, muito
dor nesta faixa etária, sobre o qual nos debru- raramente é reportado com detalhe na literatura,
çaremos brevemente. Existem actualmente vá- impossibilitando qualquer comparação entre os
rias ferramentas usadas quer em cenários clíni- diferentes estudos. Uma vantagem evidente do
cos quer experimentais para avaliação da dor. modelo animal prende-se com a possibilidade
No entanto, mesmo em idosos que mantenham de se puderem estabelecer correlações anato-
as suas capacidades cognitivas e linguísticas, é mofuncionais. Por exemplo, Ma, et al. observa-
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necessário que haja colaboração por parte do ram um aumento do calcitonine gene-related
idoso, o que frequentemente não é o caso. Cren- peptide (CGRP) no tronco cerebral (núcleo Gra-
ças como a dor ser normal naquela idade, o não cilis) após lesão parcial do nervo ciático, o qual
querer ser um fardo para família e amigos, o era mais pronunciado com a idade.
esperar que o médico adivinhe, o receio das Recentemente, o nosso grupo, fazendo uso de
possíveis razões que possam estar por detrás um modelo animal de neuropatia periférica,
da dor, o medo da hospitalização/internamento abordou o problema de forma diferente focando
e o medo da dependência de terceiros, são as a análise não na dor mas antes no impacto des-
principais razões atribuídas por Herr e Garand ta no comportamento emocional e cognitivo do
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para a falta de colaboração . Por outro lado, a rato com diferentes idades . Abordaremos este
elevada incidência de demências incapacitantes estudo na secção seguinte.
com influência na capacidade discursiva terá
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também que ser levada em conta . Nestes ca-
sos, os métodos de observação constituem as Comportamento emocional e cognitivo
ferramentas alternativas. Existem actualmente A relação entre a dor e estados emocionais
vários protocolos disponíveis para o efeito, que como a ansiedade e a depressão é de há muito
incluem a análise de comportamentos relaciona- tempo conhecida. Em situações de dor prolon-
dos com a dor, expressões faciais, humor, voca- gada, a ansiedade e a depressão constituem
lizações, padrões de sono, entre outros (revisto por si só um gravíssimo problema 35,42 , que de-
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por Hadjistavropoulos, et al. ). Apesar da panó- verá do ponto de vista clínico/terapêutico mere-
plia de ferramentas disponíveis acima mencio- cer tanta atenção quanto a dor propriamente
nadas, é aceite actualmente que a dor no idoso dita. Surgem também fortes indícios provenien-
está subdiagnosticada 15,29,49,56 , o que condicio- tes de estudos humanos de que a capacidade
na uma prestação de cuidados adequada no cognitiva do indivíduo sujeito a dor crónica po-
tratamento da dor. derá ser afectada 33,36,43 . A ciência médica tem
Paralelamente, vários laboratórios têm-se de- vindo a explorar estes problemas no intuito de
bruçado sobre a questão de como a dor varia clarificar os mecanismos por trás destas asso-
com o envelhecimento nos modelos animais (ex- ciações dor/emoção/cognição. Recentemente,
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tensamente revistos por Gagliese, et al. ). Em- ficou demonstrado em modelos animais (roedo-
bora o modelo animal permita um acompanha- res) de dor crónica a ocorrência de alterações
mento longitudinal estrito (impossível de fazer do comportamento emocional 21,23,39,40,52 . Estas
quando o objecto de estudo são populações semelhanças com aquilo que vem sendo obser-
humanas), tem sido díficil de obter um consenso vado no Homem provam que o roedor pode ser
alargado sobre como varia a resposta ao estí- um bom modelo de estudo para o problema,
mulo nociceptivo com a idade. Por exemplo, no abrindo-se assim inúmeras possibilidades para
tail-flick (teste da flexão da cauda – mede o a investigação destas patologias.
tempo de latência entre a aplicação de um estí- No nosso laboratório, desenvolvemos um es-
mulo térmico nóxico na cauda do animal e o tudo comportamental onde nos propusemos
movimento reflexo da cauda), Gagliese e Melza- avaliar o impacto da dor crónica no comporta-
ck comparam os resultados obtidos em 15 estu- mento emocional e cognitivo no rato ao longo da
dos e verificaram que quatro assinalam um au- idade. De forma análoga, o comportamento
mento da latência, dois uma diminuição e nove emocional e o desempenho cognitivo também
não detectaram qualquer variação na latência são susceptíveis de sofrerem alterações com a
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de resposta com a idade . Quanto aos modelos idade do indivíduo. Tendo estas informações em
de dor neuropática, a literatura não é mais con- mão, optamos por executar este estudo em três
clusiva, tendo sido observadas tendências em populações de roedores com diferentes idades
ambos os sentidos. Tais disparidades prendem- (novos [RN], dois meses; meia-idade [RM], um
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se com múltiplos factores que incluem, entre ano; velhos [RV], dois anos ). Para tal, fizemos
DOR outras, o uso de diferentes espécies e/ou estirpes uso de um modelo de dor crónica neuropática
de animais. Note-se que, sendo o envelhecimen-
em rato extensamente validado (SNL, do inglês
20 to um fenómeno cumulativo, o comportamento do spared nerve ligation ) que consiste na secção
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