Page 14 Volume 17 - N.1 - 2009
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R. Inácio, I. Bastardo: Delirium e Disfunção Cognitiva no Idoso: Relação com a Analgesia Pós-Operatória
A maioria dos pacientes que desenvolvem como áreas de projecção colinérgica para o ne-
DCPO apresentam distúrbios neurocognitivos ocórtex e hipocampo, respectivamente.
discretos, que são identificados somente através A relação destas alterações com o défice cog-
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de testes neurofisiológicos específicos . nitivo e o delirium está na base da hipótese
Estes exames neurofisiológicos avaliam a ca- colinérgica. De facto, a acetilcolina é o neuro-
pacidade de processamento de informação ce- transmissor mais frequentemente invocado, uma
rebral através de uma bateria de testes (avalia- vez que as vias centrais colinérgicas estão en-
ção da atenção, percepção, capacidade verbal, volvidas na regulação da atenção, memória e
capacidade de aprendizagem e memória, e sono. Alterações na regulação da síntese e liber-
pensamento abstracto) que são sensíveis aos tação da acetilcolina podem representar a via
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efeitos da lesão cerebral . final comum de muitas condições associadas ao
Na maioria dos estudos, o teste utilizado para delirium e à disfunção cognitiva.
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a avaliação é o Mini-Mental-State . A desregulação de outros sistemas de neuro-
A grande variabilidade do estado normal de transmissão, como o sistema serotoninérgico,
capacidades cognitivas associadas ao envelhe- catecolaminérgico e glutamatérgico, também
cimento e a possibilidade de um compromisso podem contribuir para a génese destes eventos
cognitivo ligeiro prévio, tornam a avaliação pré- neurológicos.
operatória fundamental. Sem um estudo prévio
é impossível estabelecer uma associação entre Dor aguda e analgesia pós-operatória
uma disfunção cognitiva e a ocorrência de even- como factores de risco para o desenvolvimento
tos anestésicos ou cirúrgicos. de delirium e disfunção cognitiva
Assim, em oposição ao delirium, em que o
comportamento patognomónico permite o diag- Os factores de risco para o desenvolvimento
nóstico, a detecção e a caracterização da DCPO de delirium e de disfunção cognitiva pós-opera-
depende de avaliações validadas da função tórios podem ser divididos em três grupos: fac-
cognitiva no pré e no pós-operatório. tores pré-operatórios, factores intra-operatórios
e factores pós-operatórios.
Porque inevitavelmente o tornaria demasiado ex-
Incidência tenso, não faz parte do âmbito deste trabalho de-
Relativamente à incidência destas síndromes, senvolver todos os inúmeros factores de risco que,
os resultados dos estudos disponíveis na litera- para além da dor aguda e analgesia pós-operató-
tura apenas permitem tirar ilações em termos de rias, estão associados a esta problemática do deli-
cirurgia cardiovascular e cirurgia não-cardiovas- rium e disfunção cognitiva. Contudo, e dada a sua
cular. inegável importância, estes encontram-se enume-
Assim, no pós-operatório de cirurgia não-car- rados de forma resumida nos quadros 3, 4 e 5.
diovascular, a incidência de delirium varia entre
os 10 e os 60%, verificando-se nos doentes sub- Dor aguda pós-operatória
metidos a estes procedimentos uma incidência
de disfunção cognitiva de 7 a 26% 13-15 . No con- A dor aguda pós-operatória está associada a
texto de cirurgia cardiovascular, o delirium e a uma resposta de stress neuroendócrina que é
disfunção cognitiva pós-operatórios atingem res- proporcional à intensidade da dor.
pectivamente 24-80% e 3-47% dos doentes 16,17 . A resposta hormonal ao stress aumenta a li-
As amplas variações de incidência apresenta- bertação de hormonas catabólicas (catecolami-
das são resultado da heterogeneidade das popu- nas, cortisol e glucagom).
lações estudadas no que concerne à idade, ao Por outro lado, a dor está fortemente associada
estado clínico e neurocognitivo prévios à cirurgia a situações de ansiedade e a distúrbios do sono.
e, fundamentalmente, aos diferentes padrões de Assim, facilmente se compreende a importân-
estudo e de critérios de diagnóstico utilizados. cia de uma correcta abordagem da dor aguda
pós-operatória no contexto das alterações neuro-
cognitivas verificadas no doente cirúrgico idoso.
Fisiopatologia Schor, et al. investigaram os factores de ris-
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A fisiopatologia do delirium e da disfunção co de delirium em idosos hospitalizados e con-
cognitiva ainda não é completamente conhecida. cluíram que a dor não controlada estava asso-
Considera-se que estas entidades representam ciada a delirium.
uma manifestação neuropsiquiátrica de altera- De forma concordante, Duggleby W, et al. ve-
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ções cerebrais difusas, consequentes a distúr- rificaram que a dor constituía um factor preditivo de
bios do metabolismo cerebral 18,19 . declínio cognitivo após procedimentos cirúrgicos.
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Mudanças na função dos neurotransmissores Em 1998, Lynch EP, et al. debruçaram-se tam-
ou nas substâncias que funcionam como o seu bém sobre o impacto da dor aguda pós-opera-
substrato estão provavelmente envolvidas 20,21 . tória no desenvolvimento de delirium. Concluí-
Estudos post mortem de doentes com distúr- ram que a dor em repouso é o único tipo de dor
bios cognitivos revelam uma perda neuronal es- que aumenta o risco de disfunção neurocogniti- DOR
pecialmente acentuada (superior a 75%) nos va. Muito embora a dor ao movimento e a dor
núcleos basal de Meynert e septal, reconhecidos máxima referida pelos doentes constituam um 13
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