Page 8 Volume 18 - N.2 - 2010
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J. Brandão: Dor Nos Cuidados de Saúde Primários
com a actividade e a depressão, do que nos alguns constrangimentos resultantes de uma
doentes do grupo a quem foram prestados os prática menos sistematizada de actuação, no-
«cuidados habituais», tal como entendidos no meadamente quanto ao modo de lidar com os
contexto dos CSP locais. Um dos aspectos di- efeitos adversos de alguns fármacos, como por
ferenciais que se salientou foi que no grupo exemplo os opióides, em que surgem preocupa-
dos «cuidados colaborativos» se verificou um ções quanto a problemas de utilização abusiva,
recurso amplo e variado a medidas terapêuti- de dependência e de intolerância por náuseas,
cas farmacológicas que abrangeram mais vómitos ou obstipação. Quanto a isto, mesmo
completamente a escada analgésica de trata- em países em que existem normas de orienta-
mento da dor. ção terapêutica específicas para diversos tipos
Uma das condições para que o tratamento da de dor crónica e em que a utilização de tais
dor possa ser eficientemente promovido, é que substâncias já atingiu níveis relativamente eleva-
haja o seu pleno reconhecimento enquanto alvo dos, são ainda constatáveis atitudes bastante
terapêutico. Dos resultados de outro estudo norte- diferenciadas entre os profissionais, permitin-
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americano que incluiu 509 doentes , depreen- do até catalogá-los de acordo com a prática
de-se que o diagnóstico de dor é fortemente clínica. Para Phelan, et al. , a partir de um
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influenciado pela intensidade com que o doente estudo que envolveu 381 médicos de CSP, foi
manifesta a sua presença, no género do doen- possível estabelecer os seguintes padrões de
te e no estilo de prática clínica do médico. Tendo acção clínica:
em conta este último aspecto, uma das conclu- – Multimodal/agressiva (14% dos médicos
sões do estudo é que a utilização rotineira de envolvidos): médicos mais insistentes
instrumentos de avaliação da dor revelou-se quanto à prescrição de opióides, com dis-
efectiva em melhorar a capacidade de tal reco- ponibilidade para «mudanças de patamar»
nhecimento por parte dos médicos, pelo que (dois para três), discutindo efeitos secun-
será de encorajar a sua disseminação, conheci- dários e questões emocionais, prescreven-
mento e prática. Reconhece-se que nem sempre do opióides de acção imediata e prolonga-
é fácil e imediato valorizar a dor do doente que da, investindo em novos processos de
se apresenta na consulta por múltiplas razões diagnóstico e terapêuticos complementa-
de sofrimento, por vezes esquecendo-se de a res, referenciando a unidades de dor cró-
verbalizar ou transmitindo sinais contraditórios, nica e questionando o doente quanto à
seja de expressividade exagerada, seja de es- utilização de álcool e drogas ilícitas. Po-
tóico sofrimento silencioso. Um dos factores crí- der-se-á dizer que é um padrão corres-
ticos salientado pelos autores, é o do modo pondente à estratégia multimodal de tra-
como a presença de dor pode afectar a relação tamento da dor, incluída numa abordagem
médico-doente. Também as características ra- biopsicossocial.
ciais e étnicas dos doentes parecem contribuir – Psicossocial/não-opióides (48% dos médi-
para a emergência de diferenças quanto à per- cos): médicos mais dedicados a acções
cepção da dor e consequentes prescrições clínicas de carácter psicossocial, referen-
analgésicas de que serão alvo. When race mat- ciando com facilidade para outros níveis
ters… apresenta-nos os resultados de estudo de cuidados. Pouca disponibilidade para
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norte-americano, em que se revelou tendência prescrição de opióides, nunca alterando
significativa para uma subvalorização da dor em as prescrições estabelecidas, mesmo que
doentes de raça negra, com uma diferença pró- não eficazes. Mais dispostos a discutir as-
xima dos 14%: em 47% de doentes de raça pectos emocionais, a efectuarem avalia-
negra a dor foi subvalorizada em dois pontos ções funcionais, a referenciarem para fi-
(escala de 0 a 10), enquanto que nos não- sioterapia, psicologia ou unidade de dor.
negros tal subvalorização ocorreu em 33,5% Trata-se de um tipo de atitude clínica em
dos casos. Para além disto, diz-nos ainda o que está excluída a prescrição de opiói-
estudo que, globalmente, 39% dos médicos des, resguardando-se o médico dos afa-
envolvidos considerou a dor dos doentes como zeres relacionados com a prevenção da
menos intensa do que a descreviam os pró- dependência, da utilização recreativa, da
prios, apesar de terem tido acesso ao proces- tolerância, etc.
so clínico dos pacientes. Houve 46% de mé- – De baixa actividade (38% dos médicos):
dicos em concordância com os doentes e 15% manejando com bastante facilidade os fár-
considerou uma maior intensidade do que a macos opióides das diversas classes e in-
referida por estes. tensidades de efeitos, incentivando os do-
A abordagem da dor crónica em geral pres- entes a cumprir as prescrições. Neste
supõe a sua avaliação sistemática, a construção aspecto, mais disponíveis do que os do se-
de um plano de tratamento, a educação do do- gundo grupo, mas menos do que os do
ente e a perspectivação de objectivos terapêu- primeiro. Menor incursão noutras acções
ticos realistas, levando a uma diminuição da sua terapêuticas. DOR
intensidade com melhoria da qualidade de vida Como resultado de práticas tão diversifica-
dos doentes . Nos CSP, podem estabelecer-se das, porventura reflectindo profundas diferenças 7
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