Page 28 Volume 18 - N.3 - 2010
P. 28
J.J. Figueiredo Lima: Plantas e Dor. Contributo para o Estudo Etnoantropológico do Tratamento da Dor
As fórmulas fitoterapêuticas motivação das comunidades para o alívio do so-
A Medicina Holística considerou, desde sempre, frimento físico e psíquico. Todavia, os médicos e
o ser humano como uma ambivalência física e os doentes devem ser alertados para os riscos
espiritual. O conceito de dor promovido pela Inter- da fitoterapia praticadas por indivíduos e es-
national Association for the Study of Pain (IASP) truturas comerciais incompetentes e para os
está de acordo com este conceito ao definir dor potencias efeitos adversos de interacções me-
69,70
como «uma experiência desagradável, sensorial dicamentosas .
e emocional, associada com uma lesão real ou A OMS recomenda a implementação de sistemas
58
potencial ou descrita nos termos dessa lesão» . de farmacovigilância que garantam a segurança
71
As fórmulas eram elaboradas em função do dos consumidores de plantas medicinais .
doente e não da doença, desde a Medicina Tra- Bibliografia
dicional Chinesa e da Medicina Ayurvédica .
59
Actualmente, as fórmulas estandardizadas não 1. Fabricant DS, Farnworth NR. The value of Plants used in Traditional
correspondem aos conceitos tradicionais da me- Medicine for Drug Discovery. Environmental Health Perspectives.
2001;100(1):69.
dicina individualizada, não são objecto de far- 2. Peter AGM. Herbal Remedies. New Engl J Med. 2002;347
macovigilância e constituem um factor de inse- (25):2046.
gurança para os doentes que a elas recorrem 3. Simões CMO, Schenkel EP, Gosmann G, Mello JCP, Mentz LA,
a
Petrovick PR. Farmacognosia - da Planta ao Medicamento. 4. ed.
sem aconselhamento competente, vítimas de Porto Alegre: Ed. Universidade/URRS; 2002.
um comércio desregrado. 4. Heinrich M, Kufer J, Leonti M, Pardo-de-Santayana M. Ethnobotany
A formação dos médicos ocidentais não en- and Ethnopharmacology – Interdisciplinary links with the historical
sciences. J Ethnopharmacol. 2006;107:157-60.
volve o conhecimento deste tipo de medicina 5. Jonardhanan KX, George V. Ethnopharmacology and Alternative
60
tradicional oriental . Por isso, é difícil compre- Medicine. Current Science. 2006;90(11):1460.
ender os riscos ou os benefícios de complexas 6. Lorin F. La douleur dans la Grèce antique. Douleur et Analgésie.
Genebra : Ed. Medicine et Hygiene; 2005.
misturas de dezenas de plantas comercializadas 7. Porter R. Medicina - A História da Cura. Lisboa: Ed. Livros &
em qualquer superfície comercial! Está presente a Livros; 2002.
tragédia da «nefropatia das Balcãs» (1990-1992), 8. Frada JJC. História, Medicina e Descobrimentos Portugueses. Ver
ICALP. 1989;18:63-73.
que levou a insuficiência renal terminal muita de- 9. Lemos M. História da Medicina em Portugal – Doutrinas e Institu-
zenas de pessoas na Europa, por ingestão da ições. Ed. D. Quixote/Ordem dos MédicosM; 1991.
Aristochia fangchi… por confusão com o nome 10. Motsuki A. Sheishu Hanaoka, a Japonese Pioneer in Anesthesia.
Anesthesiology. 1970;32(5):446-9.
mandarim da planta correcta. 11. Izuo M. Sheishu Hanaoka and his access in Breast Cancer Surgery
Os médicos ocidentais, sem formação nesta under General Anesthesia two hundred years ago. Breast Cancer.
área, devem assumir de prudência e de bom 2004;11(4):319.
senso nesta área específica da fitoterapia, à qual 12. Duarte DF. Uma Breve História do Ópio e dos Opióides. Rev Bras
Anest. 2005;55(1):135-46.
os doentes recorrem por automedicação! 13. European Directive on Traditional Herbal Medicine Products (Dir.
2004/24/EC). Off. J Europ Union. 2004;30(4):85.
14. Ferreira PEM, Martini R. Cocaína: Lendas, História e Abuso. Rev
Interacções medicamentosas Bras Psiquatria. 2001;23(2):96-9.
Cada vez mais os doentes chegam a uma 15. Reis Junior A. Discovery of Local Anesthetic. Ver Bras Anest.
2009;59(2):244-57.
Unidade de Dor referenciados por outras insti- 16. Ball C, Westhorpe ROD. The early history of Cocaine. Anaesth In-
tuições, tanto por incapacidade de tratar a dor tensive Care. 2003;31(2):137.
como epifenómeno, como pela insuficiência 17. Hedner T. The early clinical history of salicilates in Rheumatology
and Pain. Clin Rheumatol. 1998;17(1):17-25.
para tratar a patologia que a motivou. 18. Ruetschy A, Boni T, Borgeat A. From Cocaine to Ropivacaine: the
Estes doentes estão frequentemente subme- History of Local Anesthetic Drugs. Curr Topics Medicinal Chemistry.
2001;1(3):175-82.
tidos a polifarmacoterapia por indicação da 19. Pardo-de-Santayana M, Pieroni A, Rajindra KP. Ethnobotany in the
medicina convencional ou por outros meios (au- new Europe – people, health and wild plants resources. Ed. Beghahn
tomedicação, aconselhamento indiferenciado, Books; 2010.
curiosos na fitoterapia, etc.) . Geralmente, os 20. Salgueiro J. Ervas, Usos e Saberes: Plantas Medicinais do Alentejo
61
a
e outros produtos naturais. 4. ed. Ed. Colibri e Marca; 2010.
doentes não consideram que a ingestão de plan- 21. Lyss G, Schmith TJ, Pahl HL. Helanin, an anti-inflammatory sesqui-
tas medicinais corresponde à ingestão de fárma- terpene lactone from Arnica, selectively inhibits transcription factor
cos («o que é natural é bom… nem foi receitado NF-kappa B. Biol Chem. 1997;378(9):951-61.
pelo médico!») 62,63 . 22. Seeley BM, Denton AB, Ahn MS, Maas CS. Effect of Homeopathic
Arnica Montana on Bruising in Face-lifts. Arch Facial Plastic Surg.
Este tipo de atitudes, se não for questionada 2006;8:54-9.
em consulta, é passível de desencadear efeitos 23. Rowe DJ, Baker AC. Perioperative risks and benefits of herbal sup-
plements in aesthetic surgery. Aesthetic Surg. 2009;29(2):150-7.
adversos complexos em virtude de potenciais 24. Holdcroft A, Smith M, Jacklin A, et al. Pain relief with oral Cannabi-
interacções farmacológicas 64-68 (Quadro 2). noids in Familiar Mediterranean Fever. Anaesthesia. 1997;52:483-6.
25. Vaughan CW, Christie M. An Analgesic role for Cannabinoids. M J
Australia. 2000;173:270-2.
Conclusão 26. Heng O, Lynch ME, Clarks AJ. Cannabinoids and Pain Management.
Can J Anesth. 2006;53(8):743-6.
A dor é um fenómeno complexo, multidiscipli- 27. Hosking RD, Zajicek JP. Terapeutical potential of Cannabis in Pain
nar, que deve ser tratada independentemente da Medicine. Br J Anaesth. 2008;101(1):59-68.
causa que a origina. 28. Cohen SP. Cannabinoids for Chronic Pain. Br Med J. 2008;306 DOR
(7637):167-8.
Em 2001 foi criado o Plano Nacional de Luta 29. Asthon JC, Milligan ED. Cannabinoids for treatment of Neuropatic
Contra a Dor, que levou à sensibilização e Pain: clinical evidence. Curr Opin Investig Drugs. 2008;9(1):65-75. 27