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pelos sentidos e são estes que comunicam com A partir da informação recolhida, elaborei uma
o real/exterior. É através da acção que nos rela- lista de conteúdos a trabalhar e melhorar em
cionamos, que acasalamos, que comunicamos, cada aluno durante as aulas de Dança. Centrei-me
são códigos impressos nos nossos genes. E as- no que os alunos precisavam de trabalhar, con-
sim, sendo a acção, movimento, pode-se tam- soante as suas necessidades, tendo como
bém afirmar que o homem comunica através do principal objectivo melhorar a sua qualidade de
movimento. E tudo é movimento, dentro e fora vida no dia-a-dia através do meu conhecimento
do corpo: «O movimento é, portanto, um elo de e experiência na área da dança. A partir deste
conexão entre as actividades internas do ho- conhecimento, estabeleci pontes entre aquilo
mem e o mundo à sua volta. » . Para mim este que aprendi e experienciei na área e aquilo que
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fenómeno químico traduz-se em movimento in- aprendi sobre a dor crónica. Assim, dividi as
terno. E se é movimento é dança, e assim, talvez chamadas dificuldades associadas à doença em
o movimento interno pudesse ser alterado com o três categorias: psicológicas, sociais e físicas.
movimento externo. Nas psicológicas incluí a falta de concentração,
Estudos demonstram que a dança trabalha memória, a atenção, a auto-estima, a capacidade
coordenação motora, agilidade, ritmo, percep- de adaptação a novas situações, a percepção
ção; possibilita convívio e lazer, e desenvolve a (descentralização do «eu» doente), entre outros.
memória (apontando a sua falta como uma das A partir destes pontos relacionei os meus conhe-
consequências da dor), e também, segundo cimentos de Dança e concluí que, para trabalhar
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Sousa , a dança desempenha assim um papel os aspectos acima referidos, teria de realizar
importante na diminuição da degradação física exercícios de criação individual e improvisação
no desenvolvimento e manutenção das capaci- para criar a auto-estima e confiança no trabalho
dades psicomotoras, levando a uma maior auto- individual, aprender sequências coreográficas e
nomia no dia-a-dia. desenhos espaciais para trabalhar a memória e a
«A dança tem as suas virtudes – liberta, uni- concentração, trabalhar em grupos para alargar
fica, põe em contacto, reúne-se e junta o que o horizonte do «eu» e expandi-lo para os outros
está desfeito. Indo um pouco mais além, podemos e observação crítica e analítica de sequências de
dizer que ela cura. Essa é a razão pela qual a movimentos apresentados pelos colegas para
terapia da dança está em voga nos hospitais. criar uma empatia com eles e trabalhar o espí-
Praticada desde 1950, o movimento é usado para rito critico.
libertar tensões, canaliza e reorienta os ímpetos. Para trabalhar o domínio social, realizei exercí-
Acalma e elimina os comportamentos agressi- cios de criação e improvisação em grupo e de
vos e tranquiliza as personalidades psicóticas confiança e contacto físico e transferência de peso,
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e fóbicas» . para desenvolver as relações afectivas e o sen-
Em cooperação com a Dr. Cristina Catana, tido de pertencer e ser valorizado num grupo de
a
definiu-se um grupo de pacientes de ambula- pares, com um papel social.
tório da Unidade da Dor do HGO, um horário Em termos físicos, o grupo de alunos apresen-
e local (inicialmente nas instalações do hospi- tava-se muito heterogéneo, visto as limitações de
tal e depois na Associação Manuel da Fonseca). cada um serem consequência de diferentes cau-
O projecto iniciou-se em Novembro de 2009 e sas. Para poder trabalhar as dificuldades de to-
durou até Julho de 2010. dos, foi necessário realizar um levantamento das
Realizei uma pesquisa de características físi- principais dificuldades de mobilidade. Este pro-
cas, psicológicas e sociais de uma pessoa que cesso foi realizado nas primeiras aulas de Dança,
sofre de dor crónica, qualquer que fosse a sua com exercícios simples, alongamentos, jogos, en-
origem, através de conversas informais com a tre outros. Assim, apercebi-me das dificuldades
psicóloga e com os alunos. Através destas con- específicas de cada um e pude basear o plane-
versas, cheguei à conclusão que as tarefas do amento das minhas aulas nesses pontos. Desen-
dia-a-dia eram as mais penosas: chegar a uma volvi exercícios próprios para as limitações físicas
prateleira mais alta, apanhar algo do chão, subir do grupo, baseados nas técnicas de Dança (mo-
escadas, limpar o pó. Em alguns casos as que- derna, contemporânea, clássica, alongamentos,
das são frequentes, quer seja por falta de força entre outras) para trabalhar a mobilidade e des-
e de equilíbrio, tonturas ou descoordenação. O treza física, o equilíbrio, a coordenação, a respi-
simples andar ou subir uma rua com maior incli- ração, o trabalho muscular e articular.
nação é penoso. O equilíbrio é um aspecto principal nas dificul-
Com estes encontros, percebi também que a dades do quotidiano e que foi trabalhado com
dor física transforma-se em dor emocional e psi- insistência, apresentando resultados que, ape-
cológica. Associada à patologia surge a perda sar de pequenos, foram fascinantes, só possíveis
de papéis na sociedade: de pessoas trabalha- de observar conhecendo o trabalho progressivo
doras e consideradas úteis com a sua vida ac- dos alunos e das suas dificuldades iniciais. Por
tiva, passam a um modo oposto, inactivo, com exemplo, aqueles que tinham dificuldades em
DOR várias visitas ao hospital, longas horas em casa, conseguir andar em ½ ponta, fazê-lo e ainda
conseguirem equilibrar-se em apenas um apoio
baixa do trabalho. Surgem sentimentos de de-
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