Page 16 Analgesia em Obstetrícia
P. 16




3. Dor obstétrica – métodos


avaliativos


JOSÉ MANUEL COSTA MARTINS



Seria evidentemente ridículo esperar compreender um fenómeno tão com-
plexo como a dor sem se tomar em atenção a sua interacção com a
personalidade total. Pilowsky
Nada nos impede de tratar cientificamente os fenómenos subjectivos... a
força da ciência provem da capacidade de verificar a consistência de muitas
subjectividades individuais. António Damásio
O fenómeno doloroso é uma entidade própria e não, apenas, um sintoma
indissociável de uma doença ou lesão. Tem um carácter dinâmico, sendo
resultante da interacção de três dimensões. A sensorial discriminativa que
informa, com precisão, acerca da intensidade, localização, duração e qualida-
de. A motivacional-afectiva que caracteriza o processo como desagradável e/
ou adverso, o que determina distintas respostas emocionais como o medo, a
ansiedade, a depressão, e gera comportamentos para a fuga e/ou evitamento
da estimulação nociva. Finalmente, a terceira, cognitiva-avaliativa, significa a
dor em função das experiências anteriores do sujeito, do contexto socioambi-
ental em que ocorre, dos valores culturais e crenças, dos benefícios secundá-
rios e dos tipos de pensamentos ou actividade cognitiva.
Em cada parturiente cuja dor, por regra, é muita intensa e persistente esta
relação emerge vivamente no âmbito de uma ocasião impar, em que interagem
aspectos diversos como o desejo de ser mãe, a vivência da gravidez (estabili-
dade afectiva com o cônjuge, passado obstétrico, doenças concomitantes ou
da própria gravidez, bem-estar fetal, preparação específica para o parto, etc.)
e o dano físico decorrente das condições obstétricas concretas (peso do feto,
compatibilidade maternofetal, tipo de apresentação, etc.).
No parto existe interrelação entre dor, prazer e as emoções que os
acompanham.
A dor está alinhada com o castigo e associada com comportamentos
como o recuo e a imobilização. O prazer, por outro lado, está alinhado com
a recompensa e associado com comportamentos como a curiosidade, a
procura e a aproximação. António Damásio (O Sentimento de Si). O recuo e
a imobilização associados à dor do parto podem traduzir-se em passividade,
descontrolo e até oposição da parturiente, enquanto que o prazer associa-se a
uma maior tolerância para a dor, perante a aproximação do filho desejado.
A dor representa uma experiência subjectiva eminentemente comunicável
(linguagem corporal: postura/mímica; linguagem verbal) e, para além do componen-
te sensorial, é sempre uma representação diferida, um símbolo que pode apresentar
múltiplos sentidos e, portanto, uma enorme variedade de semantização.
O que mais dói numa dor não é essa dor que dói, mas o código do sentir
que lhe acrescentamos. Virgílio Ferreira (Pensar).
Para além da descrição do conteúdo vivido, a linguagem, que não tem mais
do que analogias e metáforas, pode assumir funcionalidade exercendo uma
poderosa influência na atenção-consciência e, provavelmente, também nos

7
   11   12   13   14   15   16   17   18   19   20   21