Page 18 Volume 10, Número 1, 2002
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V. Araújo-Soares, T. McIntyre, M. Figueiredo: Intervenção Psicológica: Possibilidades de Colaboração entre Distintos Campos Científicos na Dor Crónica
como o impacto de uma etiologia específica nos resul- Outros estudos têm sido efectuados. Num utilizou-se
tados da intervenção. A interferência da constituição um inibidor da recaptação da noradrenalina (maproti-
psicológica do sujeito nos resultados da intervenção lina) a par com inibidores da recaptação da serotonina
também necessita de posterior investigação. Relacio- (clomipramina), aplicando-se esta substância a paci-
nada com esta questão surge outra (Wilson e Gil, entes com dor idiopática (Eberhard, et al., 1988). Os
1996): Quais os tratamentos mais adequados face a resultados revelaram que os pacientes que receberam
determinado tipo de dificuldades avaliadas nos casos maprotilina apresentavam níveis de intensidade da dor
de dor crónica? e de desconforto mais reduzidos no pós-teste, verifi-
cando-se que os pacientes que receberam a interven-
ção com clomipramina apresentavam uma redução
Intervenções farmacológicas
significativa a nível da tristeza, desconforto corporal,
Existem, primariamente, duas abordagens de inter- tensão interna, dificuldades de concentração, pertur-
venção farmacológica na dor crónica: medicação nar- bações de memória e dor (medida através de uma
cótica e medicação psicotrópica (Walsh, 1991). Dentro escala visual analógica), concluindo-se que a clomi-
dos narcóticos, temos os opiáceos de longa duração. pramina parece ter levado a níveis de dor mais baixos.
No entanto, muitos autores se referem ao potencial Os estudos realizados nesta área do conhecimento
aditivo deste tipo de medicação, fixando-se muitos parecem revelar que a toma de medicação a intervalos
programas de intervenção multidisciplinar na redução fixos parece ser a mais adequada. A eficácia a longo
do uso deste tipo de medicação. prazo deste tipo de intervenção (psicotrópicos) não é
As investigações efectuadas nesta área revelam que clara, uma vez que apenas num dos estudos realiza-
a toma da medicação apresenta maiores benefícios dos se procedeu a uma avaliação de follow-up (Ral-
quando ocorre em intervalos de tempo fixos do que phs, et al., 1994). Quanto aos antidepressivos, parece
quando é tomada face ao aparecimento da dor em que estes apresentam alguma eficácia na intervenção
SOS. Num estudo levado a cabo por Berntzen e a este nível, revelando modestos efeitos quanto à
Gotestam (1987), no sentido de verificar este facto, redução da dor. Mais uma vez, somente um estudo
distribuíram-se aleatoriamente os pacientes por duas procedeu a um follow-up e, desta forma, os efeitos a
condições durante uma semana: a) toma de medica- longo prazo continuam incertos.
ção face ao aparecimento da dor e b) toma da medi- Um dos pontos fortes destes estudos farmacológi-
cação em intervalos de tempo fixos. Os resultados cos reside no facto de serem constituídos por amos-
indicaram que os pacientes que recebiam os analgé- tras específicas com uma descrição detalhada do tipo
sicos em intervalos fixos apresentavam cotações de de etiologia relacionada com a condição de dor cróni-
dor mais baixas e níveis mais elevados de humor, do ca, ao contrário de muitos estudos psicológicos reali-
que os pacientes que recebiam a medicação face ao zados neste domínio. Outro ponto positivo é o facto de
aparecimento da dor. Os dois tipos de formas de tomar terem sido estabelecidos protocolos, o que permite
a medicação não apresentaram resultados diferenciais uma replicação fiel dos estudos a qualquer momento,
quanto à actividade física desenvolvida pelos sujeitos. por qualquer equipa de investigação. Contudo, e ape-
Assim, parece poder concluir-se que o modo de tomar sar destes pontos fortes, constatam-se várias limita-
a medicação pode influenciar a intensidade da dor ções, como o facto de muitos destes estudos possuí-
relatada, o estado de humor, parecendo não apresen- rem amostras reduzidas, o que limita a possibilidade
tar qualquer tipo de interferência em vários tipos de de fazer generalizações. Existe ainda uma grande
medidas de actividade física. variabilidade na resposta ao tratamento, o que pode
Quanto à medicação psicotrópica, podemos referir, dever-se a diferenças interpessoais que os estudos
particularmente, os antidepressivos, que parecem dar efectuados nesta área não se têm preocupado em
cada vez mais provas do seu efeito analgésico na dor avaliar (Wilson e Gil, 1996).
crónica. Ao examinar os efeitos analgésicos dos anti- Tendo em conta todas estas limitações, e sem es-
depressivos, especialmente daqueles que inibem a quecer os seus pontos de maior consistência, pode
recaptação da serotonina (Gourlay, et al., 1986), inves- dizer-se que a intervenção farmacológica parece ser
tigadores como Goodkin, Gullion e Agras (1990) distri- responsável por melhorias modestas na cotação da
buíram aleatoriamente 42 pacientes com lombalgias intensidade da dor por parte dos pacientes com dor
por duas condições: 6 semanas de toma de um inibi- crónica.
dor da recaptação da serotonina ou um placebo. Este
estudo é único, pois apenas incluíu pacientes com Conclusão/discussão
alterações orgânicas documentadas na área lombar e
sacra. Os resultados indicaram a ausência de efeitos A intervenção psicológica foca-se principalmente no
do tratamento em relação ao placebo para medidas exame do impacto de intervenções cognitivo-compor-
como: a intensidade da dor; a depressão; o funciona- tamentais no relato e resposta face à dor. As interven-
mento psicológico ou físico; o comportamento de dor ções incluem o treino em estratégias de coping com a
observado; e a actividade física. Contudo, por outro dor tais como: estratégias de relaxamento e distrac-
lado, num estudo “duplo cego” de 4 semanas, compa- ção, aumentar as actividades sociais e físicas agradá-
rou-se o efeito de dois antidepressivos tricíclicos: a veis, reestruturação cognitiva, estabelecimento de ob-
doxepina e a desipramina. Neste estudo, ambos os jectivos e resolução de problemas (Sanders, 1996; DOR
antidepressivos levaram a uma diminuição da dor Bradley, 1996). Reconhecendo-se a natureza multidis-
(Ward, 1986). ciplinar da experiência de dor, muitos dos estudos 17
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