Page 32 Volume 10, Número 1, 2002
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F. Magalhães, S. Ramos: Dor Crónica: Uso de Técnicas de Relaxamento no seu Controle
ca e massagem) bem como a neurocirurgia (para nível superior de treino com varias etapas: reversão
interrupção dos circuitos de transmissão da dor) tam- dos globos oculares para cima e visualização de uma
bém estão, por vezes, indicados. As cognições e cor uniforme qualquer; visualização imaginativa e cer-
atitudes em relação à dor crónica devem ser compre- tas cores escolhidas e sugeridas pelo terapeuta; visu-
endidas como uma interacção complexa de factores alização interna de objectos concretos; visualização
psicológicos, fisiológicos e sociológicos e a sua abor- de objectos abstractos; vivência de sentimentos; visu-
dagem poderá fazer parte do tratamento, nomeada- alização de uma pessoa determinada; “perguntas ao
mente em psicoterapias individuais ou grupais. O rela- inconsciente” e “respostas simbólicas do inconscien-
xamento tem nesta abordagem do paciente com dor te”. Estas fases já se aproximam da psicanálise. As
crónica um papel fulcral sendo, por isso, objecto da frases chave são ordens simples como o meu braço
nossa reflexão. Actualmente existem múltiplas técni- está pesado... quente .... sinto-me completamente
cas. Todas elas se baseiam numa subtil tomada de calmo.
consciência do corpo, bastante próxima da que se Esta técnica encontra-se, actualmente, divulgada
pratica no yoga. Tal concentração no físico e fisiológi- em todo o mundo. A sua aprendizagem é longa e
co desencadeia uma desconexão do psíquico, acal- exige uma enorme disciplina mas depois de apreendi-
mando-o. A maioria dos métodos deriva dos 2 pionei- da pode ser usada com facilidade, em qualquer local
ros: o Treino Autogéneo de Schultz e o Relaxamento e circunstância e o relaxamento ser atingido muito
Progressivo de Edmund Jacobson. rapidamente.
Treino autogéneo de Schultz Relaxamento progressivo de Edmund
Jacobson
Johannes Heinrich Schultz, nascido em 1884, neu-
ropsiquiatra alemão e professor de Neurologia em Edmund Jacobson, fisiologista americano, profes-
Berlim, foi simpatizante e divulgador da psicanálise e sor universitário na Universidade de Harvard descre-
hipnose na Alemanha, no princípio do século XX, veu pela primeira vez o seu método, em livro, em
altura em que estas técnicas estavam muito em voga 1938. Recusando qualquer fundamento baseado na
para tratamento de doenças psíquicas, especialmen- hipnose, sugestão ou auto-sugestão, postulou que
te das neuroses. Dado não concordar com a relação existe uma relação entre o vivido emocionalmente e o
dependência entre o hipnotizador e o hipnotizado, grau de tensão muscular. Esta reflecte-se a nível
tenta criar um método em que o estado de hipnose se mental e vice-versa. Jacobson preconiza que não é
atinja através de uma acção voluntária e pessoal. possível uma descontracção psíquica sem relaxa-
Oskar Vogt (1870-1939) tinha observado que doentes, mento físico.
após terem sido várias vezes hipnotizados, consegui- Nesta técnica existe uma aprendizagem de descon-
am, por si próprios, atingir aquele estado, apresen- tracção muscular progressiva, músculo a músculo,
tando por isso um notável estado de calma (auto- através da tomada de consciência do seu estado
hipnose). Verificou também que existiam momentos (contraído, descontraído). Depois passa-se para o re-
de sensações de calor e peso. Schultz, inspirado laxamento diferencial, isto é, aprende-se a contrair
nestas observações arquitectou o contrário: desen- apenas os músculos necessários para determinado
volver aquelas sensações – peso e calor – para movimento, descontraindo todos os outros. Ao mesmo
conseguir a desconexão mental quase automática. O tempo que se vai aprendendo a localizar as tensões e
peso seria a expressão da descontracção muscular e a elimina-las, detectam-se os pensamentos e emoções
o calor a expressão da vasodilatação dos vasos associados. Atingem-se rapidamente as “tensões”
periféricos. Assim nasceu o que denominou de Treino mentais desfazendo as tensões musculares a elas
Autogéneo ou Auto-relaxamento Concentrativo, técni- relacionadas.
ca que descreveu pela primeira vez, em livro, em Os doentes são instruídos a deitarem-se em col-
1932. Definiu-a como “um sistema de exercícios fisi- chões ou a sentarem-se em cadeiras confortáveis. Os
ológicos e racionais, cuidadosamente estudados e olhos devem ser fechados e o instrutor deve falar em
executados para provocar uma comutação (relaxa- tom calmo mas firme dando instruções claras. Os
mento - ansiedade - tensão - equilíbrio homeostático), pacientes devem controlar a respiração e concentra-
que por analogia com os antigos trabalhos sobre rem-se no relaxamento durante cada expiração. Cada
hipnose, permite todas as realizações próprias dos grupo muscular é considerado separadamente e o
estados autenticamente sugestivos”. O Treino Autogé- paciente deve concentrar-se nessa zona do seu cor-
neo pratica-se deitado ou sentado em posição de po até estar consciente de que está a ficar descon-
cocheiro, num ambiente calmo, em semi-obscuridade traída. Com frequência o paciente é instruído no
e com roupa leve. Com ordens simples tenta-se con- sentido de contrair cada grupo muscular antes de o
seguir sensações de peso numa área do corpo e descontrair. Isso aumenta a consciencialização desse
gradualmente no corpo todo. Passa-se depois para grupo muscular e permite ao paciente aperceber-se
as sensações de calor nas mesmas áreas e gradual- melhor da diferença entre o estado tenso e relaxado.
mente vivência da sensação dos batimentos cardía- À medida que cada grupo muscular é descontraído,
cos e numa fase seguinte da vivência da respiração. é acompanhado pela repetição mental da instrução DOR
Procura-se de seguida sentir sensações de calor no “relaxa”, sincronizada com uma respiração lenta e
abdómen e frescura na fronte. Existe também um controlada. Esta rotina poderá ao princípio demorar 31

