Page 35 Volume 10, Número 1, 2002
P. 35




Dor (2002) 10
Dor (2002) 10

Parece que Engoli a Gripe




T. Gama







Resumo
O autor procura abordar a questão da dor mental sofrida pela criança, a sua avaliação,
diagnóstico e “tratamento”, através da sua experiência como psicólogo clínico membro
de uma clínica da dor.
Para as diferentes fases, refere os processos inerentes.
Palavras chave: Dor mental. Criança. Avaliação psicológica. Processo psicoterapêutico.
Somatização.





A dor é um fenómeno que está presente durante capacidade de aceder ao simbólico, não sendo por
toda a vida. Esta vivência de difícil explicação, por ser isso capaz de brincar, pode afastar-se dos colegas,
algo muito pessoal, terá origem em causas físicas e/ou amigos e familiares, apresentar mau desempenho es-
emocionais, não sendo muito clara esta dicotomia. colar, bloqueios, problemas de alimentação, quadros
É como psicólogo clínico e membro de uma equipa depressivos e tristeza ou sintomatologia recorrente,
multidisciplinar de uma clínica da dor que nos propo- com dores de barriga ou de “cabeça”, enureses e
mos abordar este fenómeno na área em que trabalha- encopreses, otites, amigdalites, eczemas, entre outros.
mos, o sofrimento psíquico ou dor mental na infância, Quanto mais nova é a criança mais o seu sofrimento
a dor infligida pelos desencontros e desarmonia inter- é expresso através do corpo. A parte física queixa-se
nos e o processo terapêutico a si associado. e dá voz ao sofrimento psicológico que fica silenciado,
Não colocando de lado a existência de uma dor de e entramos então no mundo da somatização e da
causas físicas, centrar-nos-emos na dor que encontra psicossomática onde as questões orgânicas e psicoló-
a sua génese em situações afectivas, também elas gicas ou emocionais caminham lado-a-lado.
difíceis de expressar e quantificar, ainda mais quando São estas crianças que nos aparecem na clínica.
temos como comunicador uma criança, que tem como A primeira dificuldade com que nos deparamos pren-
forma de expressão privilegiada a linguagem não ver- de-se com o diagnosticar do processo doloroso, uma
bal, os actos e as omissões. vez que temos perante nós uma entidade que está em
Freud, ao abordar a questão da libido e da sexua- crescimento, cuja dinâmica coloca em questão os dog-
lidade infantil, apresenta-nos a importância da relação mas do normal e do patológico, pois, por vezes, aquilo
mãe-bebé e a relevância desta para o equilíbrio psico- que à primeira vista parece ser um sinal de alarme, e é
lógico da criança. disso que se trata a dor, depois de uma observação
Apesar da ênfase dada à díade mãe/filho, esta não é mais cuidada poderá ou acaba por revelar-se como um
a única que se não fôr funcional será causadora de elemento constituinte do edifício do crescimento.
sofrimento. Assim, para além de um desinvestimento na Algumas destas dúvidas vão-se desvanecendo du-
relação precoce e no bebé, também, a disfuncionalida- rante o processo de avaliação.
de do casal parental ou da família – suporte preliminar No decorrer desta fase e depois de recolhermos o
da constituição da personalidade da criança – deve ser pedido dos pais e da criança procuramos conhecer
tido em conta, bem como as vivências ao longo do melhor a dor do nosso interlocutor, estabelecendo um
desenvolvimento, de que são exemplo, traumatismos, contacto empático com ele de forma a aceder ao seu
abusos abandonos e frustrações. sofrimento. Analisamos assim a sua personalidade
Este sofrimento pode ser comunicado das mais tendo em conta a sua história individual, bem como a
diversas formas. A criança pode refugiar-se no seu dinâmica familiar. Os elementos anamnésicos são
mundo de fantasia ou pode não apresentar qualquer fundamentais, tal como o contacto com os pais e
outras figuras significativas. A avaliação propriamente
dita, que consiste na observação psicológica da cri-
DOR Psicólogo clínico ança, assim como na aplicação de meios de avalia-

34 Membro da CLINIPSIQUE ção psicológica e cognitiva (testes projectivos e quan-
tificativos), deve ser realizada no mais curto espaço
Clínica de Dor do Porto
   30   31   32   33   34   35   36   37   38   39   40