Page 24 Volume 11, Número 3, 2003
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Dor (2003) 11
Objectivo do estudo
Dado que se trata de um problema com grande
relevância para o doente e não existem dados
epidemiológicos sobre a dor irruptiva em Portu-
gal, pretende-se com este estudo determinar a
sua prevalência nos doentes oncológicos, se-
guidos em consultas de dor do nosso País, num
período definido (Maio de 2001).

Metodologia
Estudo transversal e de observação, multi-
Dor irruptiva cêntrico, tendo por objectivo avaliar a prevalên-
cia da dor irruptiva em doentes oncológicos
sujeitos a terapêutica com opióides de base, no
E embora este quadro já tivesse sido descrito dia anterior à consulta (dia índice).
por Saunders, em 1963 , verificou-se nos últi- Para cada doente foram utilizados impressos
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mos anos grande interesse por parte dos vários próprios, iguais em todas as consultas, em que
autores por este assunto, passando a surgir a se recolheram dados de identificação, tipo de
designação breakthrough pain, na literatura in- consulta, patologia oncológica de base, carac-
glesa e americana, para designar exacerba- terísticas da dor crónica, analgésicos opióides
ções espontâneas de dor, distinguindo-as de utilizados regularmente e terapêutica analgési-
dor provocada por manobras do doente ou no ca adjuvante, número total de episódios de dor
doente (incidental pain), ou falência final de irruptiva e suas características bem como tera-
dose (end-of-dose failure). pêutica instituída.
Entre nós o termo “dor irruptiva” surge em
2002 , numa tentativa de tradução do termo an- Critérios de inclusão
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glo-saxónico breakthrough pain, para definir qual- Todos os doentes oncológicos seguidos nas
quer exacerbação espontânea de dor num doen- consultas de dor no dia índice, sob terapêutica
te oncológico sujeito a tratamento com opióides, analgésica com opióides de base.
distinguindo-a da dor incidental e da dor por
falência final de dose, embora, na prática, nem Critérios de exclusão
sempre seja fácil distinguir estes 3 tipos de dor. Doentes de primeira consulta.
A dor irruptiva pode ser somática, visceral ou Doentes com menos de 24 h após a primeira
neuropática e está, em regra, relacionada com medicação.
os mecanismos causais da dor crónica no do- Doentes com transtornos cognitivos.
ente oncológico: evolução tumoral, abordagens Doentes agónicos.
terapêuticas, ou outras , embora o que a carac-
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teriza seja a sua natureza idiopática. Resultados
Instala-se, de um modo geral, de forma paro-
xística, com um pico de intensidade entre os 3 e Foram recolhidos questionários de 25 unida-
5 min, embora possa desenvolver-se gradual- des de dor e cuidados paliativos em Portugal
mente. Dura, em média, 20 a 30 min, variando, continental e Ilha da Madeira, que incluíram um
também, em média, entre 1 a 4 episódios por dia. total de 135 doentes, com uma idade média de
A prevalência da dor irruptiva apresenta uma 60 anos, sendo 51,4% do sexo feminino e 48,6%
enorme amplitude reflectida na literatura sobre do sexo masculino.
o assunto, variando entre 17 e 100%, embora O tipo de consulta foi programada em 91,3%
estes valores se cifrem sempre acima dos 50% e por iniciativa própria em 8,7% dos casos.
quando o tumor primitivo se localiza na prósta- Quanto aos tumores primitivos que estavam na
ta, aparelho genitourinário, cabeça e pescoço, base da sintomatologia álgica (Quadro 1), verifi-
esófago e pâncreas . cou-se que a maior percentagem se situa nos
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A dor irruptiva representa um problema em ter- tumores da mama, cólon, pulmão, próstata e
mos terapêuticos, já que as substâncias comum- pâncreas, distribuindo-se os restantes com gran-
mente utilizadas apresentam uma décalage entre de dispersão segundo os vários tipos de tumor.
os seus perfis plasmáticos e o pico de intensidade A terapêutica analgésica de base era consti-
máximo da dor irruptiva, com excepção morfina tuída por analgésicos opióides fortes em 102
e.v. , só praticável em regime de internamento. doentes (75,5%) e analgésicos opióides fracos
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A dor irruptiva mal tratada representa, pois, em 33 doentes (24,4%). As terapêuticas conco-
grande sofrimento para o doente, constituindo mitantes (Quadro 2) foram variáveis, com pre-
um encargo suplementar em termos de custos domínio dos NSAID (68,1%) e antidepressivos
DOR pela necessidade do recurso a hospitalizações, (58,7%).
Verificou-se um total de 99 episódios de dor
aumento do número de consultas e recurso a
24 centros de emergência . irruptiva em 56 doentes (41,5% do total).
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