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J.M. Brás: Aplicação da Neuroestimulação Medular no Tratamento da Doença Vascular Periférica
lúpus eritematoso disseminado. Nos casos mais através da diminuição da actividade eferente
graves podem surgir ulcerações isquémicas e simpática (em receptores ganglionares nicotíni-
eventual gangrena. O tratamento passa pela cos e α -adrenorreceptores periféricos), resul-
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prevenção dos ataques – evitar o frio –, e trata- tando daí uma diminuição da vasoconstrição
mento médico – bloqueadores dos canais de periférica. Este efeito vasodilatador parece ser
cálcio. potenciado pela libertação periférica de CGRP
(calcitonin gene related peptide) através da ac-
A neuromodulação no tratamento da doença tivação antidrómica.
vascular periférica Selecção de doentes
Perspectiva histórica Os doentes candidatos ao tratamento devem
A primeira descrição da utilização da neuro- ser avaliados por uma equipa multidisciplinar,
estimulação dos cordões posteriores da medula que no caso desta patologia – doença vascular
no tratamento de doentes com patologia vascu- periférica – deve incluir especialistas em patolo-
lar periférica surge em 1976 em Nova Iorque, gia vascular, especialistas no tratamento da dor
realizada por Albert W. Cook – num pequeno com experiência de neuroestimulação e psiquia-
grupo de doentes demonstrou-se que a neuro- tra ou psicólogo.
estimulação medular tinha conduzido a um alívio A doença deve ser caracterizada em função
do quadro doloroso e a uma melhoria na cura da sua evolução e prognóstico, capacidade fun-
das lesões isquémicas ulceradas. Posteriormen- cional e qualidade de vida do doente.
te, a utilização desta técnica difundiu-se, sobre- As técnicas de neuroestimulação não são téc-
tudo na Europa (Augustinsson – Suécia, Meglio nicas terapêuticas de primeira linha e, portanto,
– Italia, Broseta – Espanha), sendo na década só devem ser recomendadas quando o trata-
de 80 a doença vascular periférica talvez a prin- mento médico e o tratamento cirúrgico indica-
cipal indicação da neuroestimulação. Na déca- dos para cada patologia tenham falhado e não
da de 90 o número de doentes implantados di- seja previsível qualquer actuação terapêutica
minuiu, sobretudo pela ausência de critérios de sobre a etiologia da doença no futuro.
selecção claros e bem definidos e pela relativa O doente deve ter uma informação completa
incompreensão do seu mecanismo de acção. sobre o tratamento a realizar – capacidade de o
compreender e aceitar os objectivos a alcançar,
Mecanismo de acção capacidade de manipular os equipamentos re-
A aplicação da neuroestimulação medular tem lacionados com o neuroestimulador – e fornecer
o seu consentimento informado.
incidido sobretudo num leque de patologias em A existência de patologia associada nomea-
que o quadro clínico é dominado pela dor de damente do foro cardíaco (com implante de
características neuropáticas (p. ex. cirurgia lom- pacemakers ou cardiodesfibrilhadores), hema-
bar falhada, distrofia simpática reflexa). Os me- tológico (coagulopatias) e imunitário (imunos-
canismos pelos quais exerce os seus efeitos não supressão) implicam uma rigorosa avaliação do
estão claramente definidos – separadamente ou risco cirúrgico associado ao implante e do pró-
em conjunto parecem desempenhar algum pa- prio funcionamento do neuroestimulador, pelo
pel os seguintes: que podem constituir critérios de exclusão para
– Inibição do estímulo doloroso por activação o procedimento.
antidrómica dos cordões posteriores da me- O doente deve apresentar integridade dos cor-
dula (aplicação da teoria de gate control de dões posteriores da medula.
Wall e Melzack). A avaliação psicológica efectuada por psi-
– Activação de mecanismos supra-espinhais quiatra ou psicólogo com experiência na área de
inibitórios da dor. dor e utilizando a entrevista directa e testes de
– Inibição dos neurónios WDR (wide dinamic avaliação psicológica é extremamente importan-
range) no corno dorsal da medula. te para o sucesso da neuroestimulação – os
– Aumento da libertação de GABA, com ini- dados actuais permitem afirmar que os doentes
bição da libertação de aminoácidos excita- com patologia psiquiátrica (quadros clínicos de
tórios nos cordões posteriores da medula. depressão, psicose, hipocondria ou somatiza-
No caso da doença vascular periférica, a pre- ção), má integração social e familiar e história
sença de dor está directamente relacionada com actual de abuso de álcool, fármacos ou estupe-
o fenómeno isquémico logo uma dor com carac- facientes tem piores resultados no tratamento
terísticas nociceptivas, parecendo, pois, paradoxal por neuroestimulação e devem ser consideradas
que possa responder à estimulação medular. contra-indicações para o tratamento.
No entanto, os estudos realizados parecem
mostrar que os mecanismos envolvidos são di- Critérios de inclusão na doença vascular
ferentes dos propostos para a dor neuropática.
A estimulação medular tem efeitos directos periférica DOR
sobre a vascularização periférica, provocando Consideram-se como critérios para o trata-
uma diminuição da isquemia – este efeito ocorre mento por neuroestimulação os seguintes: 17