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C.G. Ramos: Analgesia Perioperatória em Cirurgia Vascular
Estes doentes têm um complemento heterogéneo e, o tratamento da dor, enquanto se realizam exames
de factores genéticos e ambientais que os tornam complementares de diagnóstico, se recorre à terapêu-
susceptíveis à lesão arterial, aterosclerose, proces- tica médica e se planeiam intervenções cirúrgicas
sos inflamatórios, trombose e fibrinólise. (terapêuticas ou paliativas – amputações, simpaticec-
Muitos doentes que se apresentam para revascu- tomias, por exo) deve ser um componente fundamental
larização dos membros inferiores vão requerer tera- do tratamento global destes doentes, correndo-se o
pêutica anticoagulante no período perioperatório. A risco de, se isto não for efectuado, aumentar a dificul-
hemorragia mantém-se como a complicação major dade de controlo da dor no pós-operatório. Por exem-
da terapêutica anticoagulante e trombolítica, e os plo, a polineuropatia periférica associada à diabetes, a
factores de risco incluem a intensidade e a duração neuropatia central associada com os acidentes vascu-
dos efeitos anticoagulantes, idade avançada, sexo lares cerebrais prévios ou as amputações de membros
feminino, antecedentes de hemorragia digestiva alta por doença vascular periférica, podem resultar em
e consumo concomitante de AAS. síndromes de dor crónica. Doentes com tais síndro-
A incidência de hemorragia é geralmente baixa mes são frequentemente tratados com regimes tera-
(< 3%) quando se usa heparina endovenosa ou sub- pêuticos multifacetados que devem ser considerados
cutânea ou heparina de baixo peso molecular (HBPM). quando se planeia a sua analgesia pós-operatória.
Existe uma incidência aumentada de hemorragia Existem evidências crescentes na literatura de
quando se utiliza varfarina sódica (INR > 4: 7%) e que uma analgesia eficaz no pré-operatório diminui
trombolíticos (6-30%). significativamente a incidência de dor pós-operató-
O risco de complicações hemorrágicas com anes- ria persistente e a transformação em dor crónica
tesia regional mantém-se uma questão importante (com destaque para a importância da prevenção do
quando se planeia a anestesia e a analgesia destes aparecimento de dor do membro fantasma nas am-
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doentes . putações). A dor destes doentes pode ser nocicep-
Relativamente aos bloqueios periféricos em doen- tiva e/ou neuropática e na sua abordagem terapêu-
tes anticoagulados, existem poucos dados sobre tica deve ser considerada esta questão.
complicações no contexto da anticoagulação, sendo É importante que quem contacta em primeiro lugar
que a hemorragia significativa é a complicação rela- com estes doentes, os cirurgiões vasculares, esteja
tada com mais frequência, e não lesão neurológica. sensibilizado para a problemática do tratamento da
Quando as técnicas que envolvem o neuroeixo são dor e inicie a terapêutica analgésica o mais precoce-
usadas o risco de hematoma espinhal é uma preo- mente possível, recorrendo sempre que necessário ao
cupação significativa no doente anticoagulado. apoio de especialidades especialmente vocacionadas
Globalmente, os hematomas espinhais são eventos para a terapêutica da dor, como a anestesiologia, de
raros, com incidência de 1/150.000 para a anestesia forma a ajudar a optimizar o perioperatório destes
epidural e < 1/220.000 para a anestesia subaracnoi- doentes. Parte destes doentes, sobretudo nos casos
deia. de exacerbação de isquemias crónicas, têm já em
A Sociedade Americana de Anestesia Regional curso, em ambulatório, terapêutica analgésica que
(ASRA) publicou recentemente uma revisão de te- devemos conhecer e ajustar às queixas actuais.
mas actuais e recomendações em relação à utiliza- Deve igualmente ter-se em atenção que a terapêu-
ção da anestesia do neuroeixo e anticoagulação . tica analgésica com recurso à utilização da via epi-
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dural pode ser impraticável após o início da terapêu-
Terapêutica da dor tica médica em que se recorre com frequência à
O tratamento da dor no doente vascular é, como anticoagulação, cuja interrupção pode ser impossível
se depreende do que foi dito até agora, um desafio pela possibilidade de agravamento da isquemia.
nem sempre fácil de ultrapassar. Ainda assim, e quando a administração de anal-
Ao falarmos em dor vascular é preciso salientar gésicos pelo neuroeixo não é possível, continuam a
que não estamos apenas a referir-nos à dor pós-ope- existir opções analgésicas que não devem ser des-
ratória, que é naturalmente importante e deve ser curadas, como a via oral, sempre que possível, a
eficazmente tratada; não nos devemos esquecer, no via endovenosa (ev.) (utilizando perfusão simples,
entanto, da dor pré-operatória, frequentemente ne- PCA ou uma combinação de ambas), a via trans-
gligenciada e que afecta parte significativa destes dérmica, bloqueios de nervos periféricos, etc.
doentes, com várias etiologias: dor de isquemia cró- A gama de fármacos postos à nossa disposição é
nica agudizada, de gangrena, de infecção, por dis- vasta, incluindo os anti-inflamatórios não-esteróides
função microcirculatória da diabetes e dor venosa. (AINE), paracetamol, anestésicos locais, opióides, an-
tidepressivos tricíclicos, antiepilépticos, entre outros.
Relativamente aos AINE, devemos ter em conta que
Dor pré-operatória apesar de serem excelentes analgésicos e de fazerem
A dor no pré-operatório, pelos motivos acima refe- parte de um regime analgésico multimodal numa gran-
ridos, constitui um factor adicional de sofrimento des- de variedade de situações dolorosas, a sua utilização
tes doentes, a somar às incertezas quanto à possibi- nos doentes vasculares está limitada quer pela patolo-
lidade de tratamento da sua doença de base. gia associada (renal), quer pela terapêutica em curso
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Com frequência, os doentes são admitidos nos ser- (anticoagulantes/antiagregantes) . Os efeitos colaterais DOR
viços de cirurgia vascular por queixas de isquemia dos AINE levaram ao desenvolvimento de uma classe
inaugural ou por exacerbação da sua isquemia crónica selectiva de inibidores da ciclo-oxigenase 2 (COX-2); 9