Page 26 Volume 19 - N2 - 2011
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P. Reis-Pina: Metadona: Da Singularidade do Opióide à Complexidade do Tratamento da Dor Crónica
Diferentes autores sustentam que a MTD é desenvolvido fenómenos de hipersensibilidade
bem mais eficaz do que outros opióides no tra- conhecidos, podendo ser prescrita em casos de
tamento da DN 21,22,25 . alergia à MO .
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Na DN há subjacente um processo de sensi- A condição de ser um opióide mais barato do
bilização central (SC), que tem um papel basilar que outros de longa acção oferece vantagens,
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na perpetuação da nocicepção 42,46 . O receptor não-negligenciáveis, para os doentes que re-
do ácido N-metil-D-aspártico ou N-metil-D-aspar- queiram elevadas doses e para todos aqueles © Permanyer Portugal 2011
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tato (NMDA) é crucial no desenvolvimento da SC . que habitem em países em desenvolvimento .
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As substâncias que bloqueiam este receptor po-
dem ser eficazes no tratamento da dor , pelo Titulação cautelosa
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menos nos modelos experimentais . É a partir Por causa da sua semivida longa, a MTD deve
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deste conhecimento que a literatura sugere que ser titulada com copioso cuidado, com uma vi-
a MTD possa ser singularmente útil no domínio gilância clínica permanente, mormente no come-
da DN associada ao cancro 22,50-52 . ço do tratamento 27,50,63 . A atenção deve ocorrer
Nos estudos realizados com animais, a MTD de modo estritamente individual, evitando a so-
comportou-se quer como agonista opióide bredosagem, e detectando precocemente quais-
(AGO) quer como antagonista do receptor quer efeitos adversos .
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NMDA (Ant-NMDA) 53,54 . Contudo, ainda não foi A MTD apresenta grandes variações interindi-
completamente esclarecido o significado deste viduais na sua farmacocinética , as quais devem
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último aspecto nos humanos . Aventa-se que ser tidas em estima aquando da sua prescrição.
uma acção sinergética entre as actividades AGO Esta ocorrência condiciona a sua utilização em
e Ant-NMDA possa explicar o contributo da MTD contextos clínicos mais amplos.
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na analgesia potente . Alguns autores têm advertido os médicos, de
Ademais, interessa referir que, para além das modo geral, sobre a complexidade da prescri-
funções acima enunciadas, a MTD pode inibir a ção da MTD. Certamente isso deve-se à dificul-
recaptação de serotonina (IRS) 56,57 . A IRS poderá, dade em estabelecer, inicialmente, uma correcta
consequentemente, contribuir para o efeito anal- posologia, e também, à falta de consenso sobre
gésico da MTD, uma vez que a serotonina é um o(s) factor(es) de conversão (FC) da MTD a par-
neurotransmissor nociceptivo inibitório, poten- tir de outros opióides 19,35,50,63,65 . É sempre reco-
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ciando o mecanismo modulador descendente . mendado que a MTD seja prescrita somente por
A MTD pode ser combinada com outros clínicos integrados em unidades de dor, com ex-
Ant-NMDA e anti-inflamatórios não-esteróides, periência suficiente com outros opióides, com per-
numa tentativa de melhorar a eficácia analgésica, feita noção dos efeitos adversos do fármaco e
impedindo o desenvolvimento de tolerância, bem dos ajustes a executar em cada situação pecu-
como os efeitos adversos agregados a um uso liar. A prescrição da MTD exige uma adequada
farmacológico prolongado 43,58 . monitorização, a qual pode unicamente ser con-
A tolerância aos opióides, conhece-se, aumenta sagrada pelas unidades multidisciplinares de dor.
a actividade do receptor NMDA, sendo mediada As propriedades farmacocinéticas da MTD Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação
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pela morfina-3-glucoronídeo (M-3-G) . A rotação são múltiplas, complexas e nem todas comple-
de MO para MTD permite a eliminação de M-3-G, tamente estudadas. Ainda que a MTD possa ter
reduzindo-se a necessidade de opióides. A uma semivida longa (até 128 h) 17,66-68 , esta con-
MTD, com a sua faculdade Ant-NMDA, contribui juntura não reflectirá necessariamente a duração
para atenuar o desenvolvimento de tolerância da analgesia 31,61 . Os doentes podem requerer a
aos opióides, quando comparada com MO . administração de MTD a cada 6-8 h para conse-
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guir o alívio adequado da dor; contudo, sabe-se
Outras vantagens clínicas que um consumo repetido do fármaco condicio-
nará intervalos de administração progressiva-
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Ao contrário do que dizem certos peritos , mente mais espaçados. Em virtude da dissocia-
outros atestam que as singularidades farmaco- ção entre a semivida e a duração da analgesia,
cinéticas da MTD, especialmente a inexistência a MTD pode acumular-se nos tecidos. Os doen-
de metabolitos activos, favorecem a sua reco- tes devem, porquanto, ser avaliados periodica-
mendação em doentes idosos 20,59,60 . Da mesma mente, com poucos dias de intervalo, desde o
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forma, na presença de insuficiência renal crónica , momento da prescrição inicial até ser encontra-
doença hepática estável, e obstipação sintomá- da a dose de manutenção da MTD. Depois, o
tica , a MTD tem demonstrado ser um fármaco seguimento clínico continuará regular, com inter-
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útil e seguro . valos determinados por factores específicos dos
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Adicionalmente, o mecanismo de acção relati- doentes. Em média, são imprescindíveis 4-13 dias
vamente lento e a longa duração da sua eficácia para ajustar a dose e neutralizar a dor .
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podem abreviar os comportamentos de recompen-
sa que ocorrem com outros opióides de acção
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mais rápida ou de curta duração . Doses equianalgésicas e factores de conversão DOR
Outra vantagem advém do facto da MTD, con- A experiência clínica documentou grandes va-
quanto constitua um fármaco sintético, não tenha riações individuais nas doses equianalgésicas 25
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