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Dor (2012) 20
profundidade, tridimensionalidade. Mal se en- arte, na religião para me ultrapassarem. Eu,
tra já se está a sair. E, de verdade, pouco Dor, por vezes predomino com poder implacá-
acontece. vel. Repara que sou fonte da melancolia e do
Para escaparmos de algumas dores, esbarra- seu poder.
mos noutras. E em nome de quê? Em nome de Mas tal como tu, eu estou no lugar da paixão.
quem?
Dos medos? Coro © Permanyer Portugal 2012
O que será o encontro senão o soltar das Na tragédia da paixão é amar ou morrer!
máscaras, apesar do medo ao outro?
O outro, desconhecido e reconhecido, pode
ser abismo, mas também pode ser fonte. Pode Eros
ser ponte. No amor balançamos entre o unir o Na minha linguagem é amar e viver.
que está separado, separar o que está unido e
para além disto, reconciliar o intolerável. Dor
Mas interroguemo-nos: O meu nome está em muitos lugares. E em
Que dores da paixão nos atemorizam? meu nome, edifico muros, cercos. Retraio o cor-
Qual o mistério do amor e da dor? po e a alma. Torno a vida desalmada.
Que enigma remanesce no amor? Queixo-me. Queixo-me sobre o amor, ou me-
Quem és tu para quem eu me desnudo? lhor, pela falta do amor.
Porque serás tu a minha escolha? Há quanto tempo não me enamoro? Sou o
Que enigma remanesce na dor? lugar onde amor ou é desconfiança, ou o medo
da sua perda.
Quem sou eu na minha nudez? Serei eu? Serei
eu o estranho? Sou o não-lugar do erotismo.
Será amável o estranho que me inquieta?
O outro é terra estrangeira mas poder-se-á Coro
tornar terra natal. Criar caminho do desconheci- Dor, Dor, Dor. Ela toma o tempo. Desvitaliza o
do ao reconhecido. corpo a alma e a vida.
A paixão poderá ser uma das respostas que
o homem inventou para olhar de frente a morte. Eros
Mas não vencendo a morte poderá integrá-la na Oiço-te e sinto indignação e rebeldia pelo teu
vida. mergulho narcísico. Vês com óculos das som-
O amor revela-se como intensidade, não bras cinzentas. Inaptas para tratar da forte mio-
para nos oferecer eternidade mas para nos pia. Vives só o teu reflexo. Para mim és tédio…
oferecer vivacidade para a condição de cami- se não te transformar. Não olhas para os recur- Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação.
nhantes. sos. A tua fala é falta.


Cena Dor
Eros frente a frente com a Dor Falo pela dor, lamento a falta. O meu tempo é
o impasse. Olha para a dor crónica. Também ela
Eros se inscreve no destino. Destino da fragilidade,
Eu sou o deus do amor. Os meus pais conhe- da dependência e miséria humanas. Luto contra
fantasmas.
ceram-se no jardim dos deuses. O meu pai
chama-se Poro (significa recurso) e a minha mãe
chama-se Pénia (significa pobreza, falta). Não Coro
sou todo poderoso, mas sou uma energia viva, Tanto no sonho, no amor, como na dor abra-
criativa… mas inquieta e instável. çamos fantasmas e… mistérios!
Sou desejo insatisfeito, não fora filho de quem
sou? Eros
E Tu quem és, ou de onde vens?
Há mistérios em ti, Dor, mas já pensastes nos
mistérios do amor?
Dor Também no amor há um imenso mistério:
Sou tua contemporânea e o teu contrário. A quem és tu?
minha energia jorra da energia de Thanatos.
DOR Sempre estive presente na vida humana. Exis- Coro
to porque tu existes. Repara, vê o que a hu-
22 manidade criou e desvendou na ciência, na Quem és tu?
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