Page 28 Volume 20 - N3 - 2012
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M.S. Afonso, F.L. Moreira Neto: As Células Gliais da Medula Espinhal e a Dor Neuropática: Implicações no Uso de Opióides
a lesão do nervo periférico, permitindo assim a interleucina 1β (IL-1β), serotonina (5-HT) e fator
transmissão da informação nociceptiva até às de necrose tumoral α (TNF-α, do inglês tumor
regiões supraespinhais. Para além disto, as fi- necrosis factor alfa). Também estimula a produ-
bras Aβ, que normalmente transmitem estímulos ção de BDNF nas fibras C, o que também con-
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não-dolorosos à lâmina IV, podem começar a tribui para a hiperalgesia , como ficou demons-
crescer em direção à lâmina II, fazendo com que trado pelo aumento de hiperalgesia mecânica e
o encéfalo interprete os sinais por elas transmi- térmica verificado após administração intratecal © Permanyer Portugal 2012
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tidas como sendo de dor. Essas fibras também de BDNF .
alteram o seu padrão habitual de libertação de Um trauma de nervos também induz a liberta-
neurotransmissores, compensando a diminuída ção de TNF-α dos mastócitos, macrófagos e
produção de SP e CGRP pela fibras Aδ e C células de Schwann, que pode sensitizar neuró-
danificadas, e assim contribuindo para um au- nios vizinhos. Essas mesmas células produzem
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mento da excitabilidade central . IL-1β e interleucina 6 (IL-6). De facto, inibindo a
A produção de fatores de crescimento no ter- ação dessas citocinas (TNF-α e IL-1β) com an-
ritório de inervação é também crucial para o ticorpos específicos verifica-se uma redução
desenvolvimento de dor neuropática. A desco- nos sinais comportamentais de dor neuropáti-
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nexão dos axónios sensitivos danificados dos ca ; para além disso, ratinhos knockout para o
seus alvos periféricos interrompe o suporte tró- IL-6 não exibem dor neuropática após lesão 26,27 .
fico retrógado que esses neurónios normalmen- Assim, existe evidência crescente de que as
te recebem da periferia. A ausência de fator de citocinas e as quimiocinas têm um papel crucial
crescimento nervoso (NGF, do inglês nerve na instalação/manutenção da dor neuropática
growth factor), neurotrofinas 3 (NT3) e/ou do fa- após lesão/degeneração nervosa (para revisão,
tor neurotrófico derivado da linhagem celular consultar McMahon, et al. ).
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glial (GDNF, do inglês glial cell line-derived neuro-
trophic factor) normalmente libertados nos corpos
celulares de neurónios, causa uma interrupção da Células gliais
expressão normal de genes, nomeadamente de Mais de 70% da população celular da medula
neuromoduladores e recetores, resultando numa espinhal e encéfalo são células gliais, classifica-
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função anormal dos nervos sensitivos . Há evi- das em três tipos como astrócitos, oligodendró-
dências de que o suprimento exógeno de tais fa- citos e microglia. Anteriormente tidas simples-
tores diminui ou reverte essas alterações, tais mente como células de suporte dos neurónios,
como o tratamento com NT3 18,19 ou com GDNF 20-22 , e cada uma com as suas distintas funções (a
ou previne a expressão do fator de ativação da microglia na defesa do organismo, os astrócitos
transcrição 3 (ATF3), um marcador de lesão neu- no controlo da função sináptica e os oligoden-
ronal, num modelo de transecção do nervo drócitos na mielinização) , as células gliais são
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ciático . Após lesão periférica de nervos, tan- hoje reconhecidas como elementos neuromo-
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to as células de Schwann distais ao local de duladores, neurotróficos e neuroimunes impor-
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lesão como as células gliais satélites nos GRD tantes no SNC , em constante e dinâmica co- Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação.
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produzem alguma quantidade desses fatores municação com os neurónios . Mesmo algumas
tróficos, embora esta produção não seja sufi- destas funções parecem ser mais abrangentes do
ciente para compensar, seja por insuficiente que pareciam inicialmente – por exemplo os astró-
quantidade ou por estar indisponível para os citos, normalmente classificados como células
neurónios. Ainda assim, esses fatores neurotró- não-imunes, podem tornar-se imunocompeten-
ficos são provavelmente responsáveis pelo cresci- tes, libertando mediadores imunes em estados
mento de fibras simpáticas em direção aos GRD, patológicos .
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contribuindo para a dor neuropática, como já Tanto a microglia como os astrócitos têm fun-
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anteriormente revisto . ções imunes inatas, devido a possuírem um tipo
Normalmente, nem todos os neurónios danifi- peculiar de recetores, os recetores toll-like (TLR,
cados são afetados. Esses neurónios poupados do inglês toll-like receptors), que reconhecem
irão receber uma quantidade aumentada de fato- padrões imunes e que lhes permitem descobrir
res neurotróficos, não só porque a expressão de patogénios por identificação de padrões mole-
fatores provenientes do alvo atingido não parece culares específicos das proteínas patogénicas e
depender da densidade de inervação, mas tam- dos detritos celulares tóxicos. A ativação dos
bém porque o processo de degeneração também TLR desencadeia uma resposta imune cujo re-
implica a expressão dos mesmos fatores, quer sultado final é a libertação de substâncias pró-in-
por células de Schwann ou fibroblastos quer por flamatórias, criando um ciclo excitatório de retroa-
macrófagos que invadem o nervo degenerado ção positiva e assim controlando a infeção em
subsequentemente à rutura da barreira hema- desenvolvimento. A fagocitose e a remoção de
toencefálica. Por exemplo, o NGF induz uma detritos teciduais fazem também parte das suas
forte hiperalgesia e alodinia, dependente da ati- funções . Esta resposta glial na medula espi-
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vação de recetores trkA nos neurónios sensitivos nhal a um desafio imune periférico também ori- DOR
e nos mastócitos, que proliferam e desgranulam, gina respostas típicas de doença, como febre,
libertando mediadores inflamatórios tais como a sonolência aumentada, redução na ingestão de 27
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