Page 27 Volume 20 - N3 - 2012
P. 27



Dor (2012) 20
populações envelhecidas atuais, e como resul- dorsal, levando à formação de potenciais de
tado da melhoria no tratamento de cancro, au- ação lentos que se prolongam durante várias
mentando o número de sobreviventes a tumores centenas de milissegundos. A soma destes po-
malignos . tenciais de ação lentos causa uma despolariza-
2
A dor neuropática é relativamente mais fre- ção sustentada e como consequência, os receto-
quente em doentes com desinervação parcial de res de N-metil-D-aspartato (NMDA), geralmente
um território periférico principal, do que naque- bloqueados de uma forma dependente da vol- © Permanyer Portugal 2012
12
2+
les que sofrem desinervação total . Apresenta tagem por iões Mg , ficam desbloqueados. A
variadas manifestações clínicas, como por ativação dos recetores NMDA pelo glutamato
2+
exemplo alodinia, hiperalgesia e hiperpatia (res- causa entrada de Ca , que leva a um aumento
posta de dor explosiva quando a intensidade do da concentração intracelular deste ião, e conse-
estímulo excede o limiar sensorial) . A sensação quentemente a um aumento da atividade enzimá-
2
de dor pode não estar limitada à área de iner- tica e ativação de numerosas vias de sinalização
vação do nervo específico, mas pode também intracelular que contribuem para a manutenção
provir de tecidos inervados por nervos vizinhos da sensitização central. Embora, em geral, a ativa-
saudáveis, uma condição denominada como dor ção de recetores NMDA seja considerado o evento
extraterritorial, e pode também ser percebida chave no desencadear da sensitização central,
como sendo originária da parte contralateral, a ligação de glutamato a outros tipos de receto-
não-afetada, do corpo, à qual se chama «dor em res como os recetores amino-3-hidroxi-5-me-
espelho» (mirror pain) . til-4-isoxazola propionato (AMPA) e os recetores
8
A amplificação da dor pode ocorrer em múlti- do glutamato acoplados a proteínas G (metabo-
plos locais ao longo das vias nociceptivas. Na trópicos), é também importante. Igualmente, os
medula espinhal, a amplificação da dor derivada recetores neuroquinina 1 (NK-1) e CGRP1 (para
de uma lesão nervosa periférica acontece pri- a SP e CGRP, respetivamente) também desem-
mariamente no corno dorsal, uma região chave penham uma função nos mecanismos de sen-
na regulação dinâmica do processamento noci- sitização central, assim como a ativação dos
ceptivo . recetores tirosina cinase B (TrkB) pelo fator neuro-
13
trófico derivado do cérebro (BDNF, do inglês
brain-derived neurotrophic factor) libertado na
O neurónio medula espinhal pelos terminais centrais dos
Os neurónios alteram-se, quer funcional quer neurónios aferentes primários. A fosforilação au-
anatomicamente, em resposta a uma lesão ner- mentada de alguns destes recetores e canais
14
vosa periférica . Essas transformações incluem iónicos ocorre, contribuindo para a manutenção
alterações nas propriedades de canais iónicos, de uma hiperexcitabilidade que é dependente
formação de novas fibras ou invasão por ele- do nível de atividade. Entre outros eventos, ocor-
mentos sanguíneos que alteram o ambiente que re também um aumento da expressão de bradi-
rodeia o nervo. Como resultado ocorre a ampli- cinina e de óxido nítrico (NO). Para além de
ficação da informação de dor. Vários mecanis- aumentarem a excitabilidade dos neurónios es- Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação.
mos são responsáveis por esta amplificação na pinhais, esses mediadores causam uma liberta-
periferia (sensitização periférica) e no SNC (sen- ção exagerada de neurotransmissores dos ter-
sitização central). De facto, os eventos que con- minais pré-sinápticos de neurónios sensitivos
tribuem para a sensitização central foram exten- para a medula espinhal, contribuindo para a
sivamente revistos por Latremoliere e Woolf . amplificação da mensagem de dor. A partir do
15
A sensitização central dos neurónios do corno momento em que os mecanismos de sensitiza-
dorsal da medula espinhal é vista como uma hi- ção central são iniciados, a dor deixa de atuar
perexcitabilidade generalizada, caracterizada por como um fenómeno defensivo ou protetor, e
um aumento da resposta a estímulos acima do torna-se patológica (para revisão, consultar La-
limiar normal, um aumento do tamanho dos cam- tremoliere e Woolf ).
15
pos recetivos, uma redução no limiar de ativação As lesões dos nervos periféricos podem tam-
por estímulos periféricos, e um desenvolvimento bém levar ao crescimento de axónios do simpá-
ou aumento da atividade espontânea 15,16 . Uma tico para os GRD. Isto, combinado com a ex-
excitabilidade aumentada após estímulos dolo- pressão de recetores α-adrenérgicos nos
rosos persistentes é geralmente causada por neurónios lesados, pode ser um potencial me-
uma despolarização sustentada da membrana canismo para a dor paroxística ou persistente
dos neurónios nociceptivos da medula espinhal mantida pelo sistema simpático, que é inde-
(o windup). Assim, de forma simplificada, a esti- pendente do estímulo e é observada em alguns
mulação repetida de nociceptores com fibras C doentes com patologias neuropáticas . Há
17
desmielinizadas pelos estímulos nóxicos causa também a indicação de que o fluxo inibitório
uma libertação contínua e aumentada de gluta- GABAérgico e glicinérgico na medula espinhal
mato, substância P (SP) e peptídeo relacionado fique diminuído, em parte porque os interneuró-
DOR com o gene da calcitonina (CGRP, do inglês nios da lâmina II, que desempenham uma in-
fluência inibitória na propagação dos estímulos
calcitonin gene-related peptide) nos terminais
26 pré-sinápticos dos aferentes primários no corno álgicos, parecem degenerar algum tempo após
   22   23   24   25   26   27   28   29   30   31   32