Page 24 Volume 20 - N3 - 2012
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C. Catana: Eros Frente a Frente com a Dor (Diálogos de Eros com a Dor)
Dor Dor
Sim, todos temos os nossos mistérios com as É pânico e terror.
suas assinaturas. O meu mistério é: quem sou eu?
Eros
Coro É, também, explosão vital.
Quem sou eu? © Permanyer Portugal 2012
Dor
Eros E as tuas dores? Eros, ainda não falaste sobre
Queixas-te demasiado, Dor. as dores do amor? Que eu saiba és filho da tua
Onde pões os teus sentidos e imaginação? Só mãe Pénia (falta, pobreza). Que faltas padece-
os diriges ou és dirigida para e por Thanatos? rás tu? Falta da confiança? Temerás a desilusão
Para mim, a imaginação tem corpo vivo, e e a traição?
torna-o mais vivo.
Por quem nos enamoramos, criamos o dese- Eros
jo, tentação e coragem. Para mim o outro é real Também as dores do amor necessitam de
e criação. É realidade e obra de arte. As pala- cuidados. Quem me ouve? Alguém escuta as
vras são fonte de vida e não esgotam a poesia. dores do amor? Ou preferem negá-las, com
cinismo?
Dor
Reconheço que tu Eros, deus do amor, deténs Dor
uma linguagem rica. Eu tenho silêncios, gemidos O medo da enfermidade não é maior que o
e por vezes gritos. Não estou à altura da metáfo- medo da solidão e da loucura. Também tu,
ra. Tenho falta. Tenho lutos engasgados. O corpo Eros, temes e sofres o excesso e a perda do
não é prazer, é dor e subtração. Falta o gozo. Os amor.
meus fantasmas são subsidiários de Thanatos.
A minha voz vem do lugar do ausente, de Eros
ninguém, da monotonia.
Sim, não o nego. Mas se sou filho da falta –
Pénia também sou filho de Poro – recurso. E o
Eros meu recurso maior é caminhar para o encontro.
A minha voz vem da vida. O luto dá origem à Sou um caminhante. Levo-me ao outro. Crio e
luta pela nova relação. Para mim, a vida está recrio-me na vida. Sinto sede do outro. Esta é a
cheia de variedade. De prodigiosa variedade. É minha odisseia. O caminho é a prova.
explosão de diferenças. E qual é a tua prova, Dor? Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação.
Dor Dor
Estou a ouvir-te e pensei no deus Pã. Deus do Sou privação. Sou o fracasso da comunica-
excesso, responsável pelo pânico e pela destrui- ção. Sou o fracasso do movimento.
ção. Não tenho como me provar!
Relego essa tarefa pesada para a ciência,
Eros para a poesia, para a arte, para a medicina, para
Mas, na minha natureza, deus Pã também é a psicologia, para a filosofia, para quem me
criação. quiser tratar…
DOR
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