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Dor (2012) 20
alimentos e água, uma supressão generalizada Os produtos libertados pelas células gliais po-
do comportamento e uma resposta aumentada dem ter múltiplas funções: aumentar a excitabi-
de dor . lidade dos neurónios, aumentar a libertação pe-
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A glia (nomeadamente os astrócitos e a micro- los aferentes primários de neurotransmissores
glia) está implicada na modulação da dor, tal associados à dor, sobrerregular a expressão dos
como verificado pela ocorrência da sua ativação recetores AMPA e NMDA (que são permeáveis
em condições que se sabe exacerbarem a dor, ao cálcio) e/ou ampliar a sua conductância, po- © Permanyer Portugal 2012
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tais como traumatismo da medula espinhal , tenciar as correntes para o interior celular nos
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constrição da raiz espinhal ou de nervos peri- canais de sódio resistentes à tetradotoxina,
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féricos . Marcadores clássicos de ativação da sub-regular a expressão dos recetores do ácido
glia incluem a proteína glial fibrilar acídica (GFAP, γ-aminobutírico (GABA, do inglês γ-aminobutyric
do inglês glial-fibrillary acidic protein) para os acid), diminuir as correntes de potássio para o
astrócitos e o recetor do complemento do tipo 3 exterior celular, e sub-regular os transportadores
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(CR3, do inglês complement receptor type 3) gliais de glutamato . Particularmente no caso
para a microglia, que têm a sua expressão au- de uma excitabilidade neuronal acrescida, há
mentada nos estados ativados dessas células . aumento dos disparos neuronais ou diminuição
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A ativação da glia in vivo sucede após contacto do limiar ao disparo, originando assim respostas
com patogénios, como anteriormente menciona- exacerbadas a estímulos nóxicos e inócuos, ca-
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do, assim como em resposta à comunicação racterísticas de dor neuropática . Ou seja, de
tanto pelos terminais aferentes primários (após uma forma simplificada, os neurónios lesiona-
libertação de SP, CGRP, adenosina trifosfato dos/hiperestimulados libertam ATP, glutamato,
[ATP] e aminoácidos excitatórios) como pelos SP e outros mediadores já mencionados, estimu-
neurónios de transmissão do sinal de dor (que lando a glia para que esta fique ativada. Por sua
libertam fractalquina, NO, prostaglandinas) . No vez, os astrócitos e a microglia libertam substân-
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estado ativado, a glia produz várias substâncias cias que estimulam os neurónios, assim como
neuroativas, tais como espécies reativas de oxi- glia na vizinhança para que esta seja também
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génio, ácido araquidónico, leucotrienos, prosta- ativada .
glandinas, aminoácidos excitatórios (como glu- A libertação de substâncias gliais pode expli-
tamato, aspartato, cisteína e ácido quinolínico car fenómenos como a dor extraterritorial e a dor
– um catabolito do triptofano com efeitos excito- em espelho. A autoestimulação autócrina/pará-
tóxicos), fatores de crescimento nervoso e ence- crina é responsável não só pela difusão a célu-
falocinases . Esta comunicação glia-neurónio é las gliais vizinhas, tornando-as ativas mesmo
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facultada pela posição anatómica da glia, que quando se encontram remotas do local de lesão,
encapsula as sinapses, sendo-lhe por isso facil- mas também pela comunicação entre diferentes
mente possível a regulação desses mensagei- tipos de glia, através de junções de hiato elétri-
ros . O grupo de substâncias libertadas pela glia cas ou da propagação de ondas de cálcio. Quan-
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também inclui citocinas pró-inflamatórias, tais do essas populações gliais distantes são ativa-
como TNF-α, IL-1β e IL-6, que atuam de uma das e têm terminais neuronais saudáveis na sua Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação.
forma autócrina/parácrina (muitas vezes ativan- vizinhança, a sensação de dor irá ser transmitida,
do TLR ), sendo assim capazes de usar a sua e o encéfalo irá interpretar como se essas áreas
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própria libertação constante . Servindo como pro- estivessem também danificadas . Em favor des-
va do seu papel modulador, é sabido que os fár- ta teoria, verificou-se que a dor extraterritorial e
macos que inibem produtos pró-inflamatórios blo- a dor em espelho são interrompidas após admi-
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queiam e/ou revertem certos estados dolorosos , nistração de inibidores da glia ou de IL-1 .
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tal como observado pela prevenção ou reversão
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da facilitação da dor pela minociclina (um anti-
biótico que impede a ativação da microglia) em Microglia
modelos de lesão da medula espinhal. As células da microglia, que constituem en-
Para além dos patogénios e de mensagens tre 5-10% da totalidade da população glial, de-
provenientes de neurónios disfuncionais, a glia rivam de células precursoras da mesoderme de
também responde a dano ou stress celular ge- linhagem hematopoiética. São consideradas os
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neralizado, independentemente da produção de macrófagos residentes do SNC , devido à sua
neurotransmissores ou neuromoduladores clás- origem monocítica e por serem reconhecidos
sicos. Esses sinais, denominados «sinais endó- pelos mesmos anticorpos que os macrófagos
genos de perigo» ou «alarminas» incluem os (ED1, ED2, complexo principal de histocompati-
produtos de degradação da matriz extracelular, bilidade [MHC], recetor 3 do sistema de com-
componentes da circulação sanguínea (que nor- plemento [CR3/CD11b]), e também pela função
malmente não atingem o espaço extracelular), e de vigilância que desempenham no SNC, forman-
substâncias libertadas por células danificadas do uma rede de células residentes espaçadas
ou em processo de morte – como por exemplo regularmente . Em condições normais do SNC,
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DOR proteínas de choque térmico (HSP, do inglês a microglia não produz substâncias neuroexcita-
heat shock proteins), ADN e substâncias relacio-
tórias . Ao contrário dos astrócitos encontram-se
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28 nadas – que são reconhecidas pelos TLR . num estado quiescente, sendo identificadas
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