Page 34 Volume 20 - N3 - 2012
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M.S. Afonso, F.L. Moreira Neto: As Células Gliais da Medula Espinhal e a Dor Neuropática: Implicações no Uso de Opióides
Astrócitos para executarem esta função. Após lesão, os
astrócitos assumem o seu fenótipo ativado (que
Os astrócitos derivam da neuroectoderme, e inclui proliferação, hipertrofia e sobre-expressão
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são o tipo de células gliais mais abundante, de GFAP ) e os níveis de GLT-1 astrocíticos bai-
constituindo cerca de 40-50% de toda a popu- xam, o mesmo acontecendo em culturas de as-
lação glial (para revisão, consultar Sofroniew trócitos após adição de TNF-α e IL-1β. O gluta-
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e Vinters ). Algumas das suas funções in- mato em excesso no espaço sináptico produz © Permanyer Portugal 2012
cluem providenciar energia e precursores de uma sinalização intensificada nos recetores do
neurotransmissores aos neurónios, limpar res- glutamato neuronais, criando provavelmente
tos celulares, manter as concentrações iónicas potenciais de ação ectópicos (Fig. 1). Verifi-
estáveis, assim como a remoção de neurotrans- cou-se que quando a propentofilina, um agente
missores do espaço sináptico, para dar alguns modulador da glia, é usada para suprimir a
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exemplos . O facto de possuírem canais depen- ativação astrocitária, a expressão de GLT-1 é
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dentes de voltagem e recetores para neurotrans- induzida . No processo de remoção do gluta-
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missores (recetores metabotrópicos do glutama- mato do espaço sináptico, três iões Na são
to, recetores NMDA e não-NMDA, recetores cotransportados com ele. O aumento das con-
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purinérgicos e para a SP, só para nomear al- centrações intracelulares astrocitárias de Na
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guns ), e estarem numa posição privilegiada causa a início da glicólise nos astrócitos. O
(encapsulando sinapses e em contacto próximo lactato assim libertado por este processo «ali-
com corpos celulares dos neurónios , com den- menta» o neurónio, suprimindo as suas neces-
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drites e com nós de Ranvier ), possibilita que sidades energéticas que se encontravam au-
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sejam ativados, e modulados, por neurotrans- mentadas devido à atividade sináptica. Após
missão. A «memória» sináptica faz também par- lesão nervosa, e porque os níveis de GLT-1 di-
te das suas ações – atividade sináptica anterior minuem, o astrócito não vai conseguir mais sa-
leva, em tempos posteriores, a respostas astro- tisfazer as necessidades do neurónio, fazendo
citárias maiores e influxo sináptico subsequente com que este fique em risco de morte por exci-
(Watkins 2006). toxicidade. Dados estes mecanismos, tem sido
Os astrócitos não constituem uma população proposto que os transportadores de glutamato
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homogénea, pois diferem na expressão de ca- funcionam como sensores metabólicos . Para
nais ou outras substâncias (exemplo, GFAP além da remoção, a libertação de glutamato é
versus proteoglicano NG2). O arranjo em mi- também essencial à função astrocitária em res-
crodomínios diferentes faz com que a interação posta à lesão, causando assim a sua própria
com a microvasculatura e com as sinapses excitação – um autêntico círculo vicioso. A mi-
seja muito específica da função de cada astró- croglia também liberta glutamato, e dada a pro-
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cito . A sua importância na regulação da ho- ximidade de ambos os tipos celulares gliais dos
meostase iónica é facilmente compreendida neurónios, a glia pode diretamente sensitizar e
quando se considera o papel essencial que a estimular os neurónios durante a iniciação e/ou
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Na /K ATPase astrocitária tem na remoção do manutenção de dor patológica . Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação.
potássio sináptico em excesso, armazenan- De modo semelhante à microglia, a ativação
do-o e regulando a sua libertação de volta para de astrócitos envolve a sinalização por MMP,
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o espaço sináptico . Isto será muito importante normalmente do tipo 2. Isto resulta, tal como
visto que é sabido que a microglia ativada por na microglia, na clivagem de pró-IL-1β. Tam-
lipopolissacarídeos (LPS) expressa canais de bém comum aos dois tipos gliais é a sinaliza-
transporte de K para o meio extracelular, con- ção intracelular via ERK, assim como via a ci-
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tribuindo para uma despolarização mais rápida nase c-Jun N-terminal (JNK/MAPK8, do inglês
dos neurónios e para a libertação por parte da c-Jun N-terminal kinase), provocando uma li-
microglia de mediadores de sensitização neuro- bertação aumentada de fatores inflamatórios
nal . O cálcio é outro ião cujas concentrações como IL-1β, IL-6, TNF-α, prostaglandina E
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citosólicas são reguladas pelos astrócitos. As (PGE ) e NO. Todos estes contribuem para a
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ondas e oscilações de cálcio passam de célula sub-regulação de GLAST, tal como anterior-
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para célula através de junções de hiato entre mente descrito .
astrócitos, induzindo assim respostas neuronais,
como a modulação da libertação de neurotrans-
missores . Sumário
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Para além de regularem os níveis iónicos, os As células da glia influenciam a transdução
astrócitos também são importantes na manuten- neuronal de sinalização anormal de dor poten-
ção dos níveis apropriados de glutamato, pos- ciando-a. Primeiro, reconhecem uma amostra
suindo transportadores de elevada afinidade, numerosa de mediadores que transmitem a
tais como o transportador do glutamato 1 (GLT-1, mensagem desde o local da lesão do nervo pe-
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do inglês glutamate transporter 1) – responsável riférico ou da lesão tecidular . Depois, ao produ-
por uma captação de glutamato acima dos 90% zirem citocinas pró-inflamatórias, aumentam o DOR
– e o transportador de glutamato-aspartato número de recetores AMPA e NMDA na superfí-
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(GLAST, do inglês glutamate-aspartate transporter), cie neuronal, assim como a sua condutividade , 33
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