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M.S. Afonso, F.L. Moreira Neto: As Células Gliais da Medula Espinhal e a Dor Neuropática: Implicações no Uso de Opióides
ocorreu analgesia quando foi testada a inibi- fármaco anti-inflamatório, é administrado con-
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ção do metabolismo glial (com fluorocitrato, comitantemente com a morfina . O ibudilast
minociclina ou ibudilast) 73-75 . A tolerância à atravessa a barreira hematoencefálica, é bem
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morfina também se encontra ligada à sub-re- tolerado e ativo após administração oral . Para
gulação dos transportadores de glutamato no além disso, ensaios clínicos de fase Ib/IIa em
corno dorsal da medula espinhal, o GLAST e dependência de opióides e analgesia apresen-
o GLT-1, com o concomitante aumento extrace- taram resultados promissores por se ter verificado © Permanyer Portugal 2012
lular de aminoácidos excitatórios 69,76 , facto que uma atenuação da dependência a opióides rela-
suporta o já discutido efeito das citocinas cionada com a dose administrada e uma aumen-
pró-inflamatórias causarem a inibição da cap- tada analgesia induzida pelos opióides (pelo
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tação de glutamato e uma reduzida expressão McGill Pain Questionnaire) .
de GLAST e GLT-1 . Todos estes dados experi- A modulação dos efeitos dos opióides através
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mentais sugerem que a tolerância induzida pelo da glia não ocorre só durante uma exposição
uso de morfina pode ser devida à ativação de prolongada à morfina; está presente mesmo
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glia, e que a consequente produção de citocinas numa exposição aguda . Mais uma vez, os me-
pró-inflamatórias e aumentos dos níveis de glu- canismos parecem depender de citocinas
tamato causam um agravamento da excitabilida- pró-inflamatórias, uma vez que o seu bloqueio
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de neuronal . intensifica e prolonga a analgesia aguda 71,72 , en-
Quando se considera a dor neuropática, a to- quanto a administração de IL-1, mesmo que
lerância não é o único fator que faz diminuir a numa dose neutra, não-nóxica, anula a analge-
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eficácia dos opióides. Ocorre também uma es- sia pela morfina .
pécie de «tolerância naïve aos opióides», na Foi inicialmente hipotetizado que a ativação
qual a morfina não alcança toda a sua potência de glia pelos opióides, e todos os efeitos cola-
analgésica, mesmo que não tenha havido expo- terais indesejados, deveriam depender dos re-
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sição prévia aos opióides . Quando as citocinas cetores opióides clássicos, os únicos recetores
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pró-inflamatórias são inibidas, a morfina restaura opióides que se conhecem nos neurónios . No
toda a sua capacidade analgésica . Para além entanto, a hiperalgesia induzida pelos opióides
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disso, o poder analgésico da morfina é reduzido ocorria mesmo quando os ratinhos em experiência
quando doses subanalgésicas de morfina são não expressavam (ratinhos knock-out) nenhum
usadas previamente, e a implicação das células dos três tipos de recetores conhecidos, os δ, os κ
gliais neste processo é inferida pelo restabele- e os µ . Considerando a estereosseletividade,
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cimento da analgesia normal quando um agente sabe-se que somente os isómeros opióides (–)
modulador da ativação da glia, a propentofilina, podem ativar os recetores clássicos, enquanto
é usado . os isómeros (+) têm baixa afinidade. No entanto,
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Em condições de dor neuropática os opiói- ambos os isómeros (+) e (–), quando adminis-
des não só não diminuem as sensações de trados intratecalmente, induziram de forma igual
dor tanto como deveriam, mas também po- a expressão de IL-1, IL-6 e TNF-α na glia espi-
dem ser os agentes que induzem uma sensi- nhal . Estes dados sugeriram que possivelmente Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação.
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bilidade anormal à dor . Este efeito ocorre recetores não-clássicos, indiferentes à este-
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independentemente do uso continuado de do- reosseletividade, são ativados e que são os
sagem com opióides (usando minibombas os- principais causadores dos efeitos da glia no
móticas), um procedimento que se usa para agravamento da dor. Isto implica que poderia
se ter a certeza de que a dor não é devida a ser possível bloquear esses recetores, permitin-
abstinência repetida de pequena escala entre do que os opióides exerçam o seu efeito anal-
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dosagens . De acordo com estes dados, os gésico em toda a sua potencialidade. As expe-
opióides podem por si só causar dor neuropática riências com naloxona (+) foram bem sucedidas.
através da redução dos limiares de sensibilida- De facto, embora não seja ativa nos recetores
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de à dor . opióides neuronais, a naloxona (+) aumenta a
Conjuntamente com a tolerância, a dependên- analgesia, atrasa o desenvolvimento de tolerân-
cia é outro dos efeitos indesejáveis dos opióides, cia, diminui a síndrome de abstinência (após a
que pode ser caracterizado por uma necessidade administração de naloxona [–]), e ainda bloqueia
física de doses de opióides para evitar o apare- o efeito antianalgésico que é comum na morfi-
cimento de síndromes de abstinência. A glia na 78,81-83 . Os agonistas (+) dos opióides podem
poderá também estar envolvida nos mecanis- ainda minimizar a analgesia normalmente provo-
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mos que geram a dependência, como tem sido cada por opióides (–) , um efeito que é bloquea-
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sugerido por estudos em que se verificou que o do pelo uso de propentofilina , constituindo mais
aumento de dor, que geralmente se segue à uma prova de que essas ações são devidas a
abstinência de opióides, pode ser atenuado pela ativação glial.
inibição de citocinas pró-inflamatórias ou de re- Os recetores opióides não-clássicos passí-
cetores do IL-1 68,70,71 . Para além do mais, a ati- veis de serem ativados sem ter em conta a
vação de glia na medula espinhal em conse- estereosseletividade foram, em 2007, associa- DOR
quência da administração de morfina pode ser dos aos TLR4 , quando se verificou que todas
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mantida em níveis basais quando o ibudilast, um as classes estruturais de opióides ativam os 35