Page 35 Volume 20 - N3 - 2012
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Dor (2012) 20
e simultaneamente sub-regulam a expressão é a libertação induzida pelos opióides de citoci-
de recetores GABA e de transportadores de nas pró-inflamatórias, com o subsequente au-
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glutamato . A IL-1β é um exemplo, pois provo- mento da excitabilidade neuronal – causada,
ca a fosforilação de uma subunidade do NMDA, entre outras, pelo aumento da condutividade e
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ativando-o e aumentando a sua condutividade . expressão de recetores NMDA e AMPA e pela
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O TNF-α aumenta a condutividade do AMPA e sub-regulação de recetores GABA . A libertação
aumenta a libertação espontânea de neurotrans- de quimiocinas (exemplo CCL1/MCP-1, CCL5 e © Permanyer Portugal 2012
missores dos terminais pré-sinápticos. Finalmen- CCL12) pode também ser induzida, que se irão
te estes eventos levam ao aumento do tónus ligar aos respetivos recetores e causar a des-
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neuronal excitatório (Fig. 1). sensitização/inativação dos recetores opióides
A ativação de NMDA resulta por fim na produ- nessa mesma célula 63,64 .
ção de NO e PGE pela glia, que afeta direta- Até há alguns anos atrás pensava-se que os
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mente os neurónios, causando mais uma vez a sistemas de modulação envolvidos na dor cró-
amplificação da excitabilidade dos neurónios de nica e nas ações dos opióides eram fenómenos
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projeção/transmissão nociceptivos . completamente diferentes. No entanto, os inves-
O afluxo intracelular de cálcio ativa a sinaliza- tigadores têm vindo a reconhecer cada vez
ção pelo p38 e ERK na microglia, resultando mais semelhanças entre esses dois sistemas
numa atividade aumentada de fatores de trans- aparentemente independentes, e eventualmente
crição (como o NFκB) e à subsequente secreção começaram a questionar se a glia, cuja impor-
de IL-1β, TNF-α, IL-6, PGE e BDNF. Todos esses tância na modulação da dor crónica já tinha
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mediadores contribuem para a infiltração e fago- sido demonstrada, desempenharia um papel
citose e consequentemente para os efeitos pa- similar nas ações dos opióides. Verificaram en-
tológicos da glia . tretanto que os mecanismos envolvidos na dor
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Embora não tenha sido o foco deste artigo, é neuropática são surpreendentemente similares
importante realçar que a ativação da glia não aos observados para a tolerância à morfina .
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tem só efeitos adversos na dor, pois tem também Uma década entretanto passou desde esta pri-
sido descrita uma ação neuroprotetora da glia meira descoberta que juntou a glia e os opiói-
via libertação de mediadores anti-inflamatórios des, e atualmente propõe-se que eles podem
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tais como a IL-4 e a IL-10 (para revisão, consul- mesmo partilhar alguns mecanismos . Um dos
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tar Milligan e Watkins ). primeiros estudos que provou a existência de
uma ligação entre a glia e a eficácia diminuída
dos opióides, nomeadamente a tolerância à
Opióides e glia morfina, foi feito por Song e Zhao, em 2001 .
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Os opióides são uma classe farmacológica Estes investigadores demonstraram que a ad-
bastante conhecida pela sua ação analgésica, ministração crónica de morfina (sistémica) in-
constituindo frequentemente o tratamento de pri- tensifica a ativação astrocitária na medula
meira escolha para minimizar o sofrimento de espinhal, e que tanto a ativação glial como a
doentes com dor aguda, pós-cirúrgica ou deri- tolerância são atenuadas pelo fluorocitrato, um Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação.
vada de neoplasia . A dor neuropática, no en- inibidor do ciclo de Krebs glial . Desde esta
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tanto, é muito difícil de controlar, e as evidências primeira importante descoberta, várias evidên-
mais recentes sugerem que a falta de eficácia cias surgiram que suportam o envolvimento da
no seu tratamento possa estar relacionada com glia na eficácia dos opióides: a morfina crónica
a intervenção das células gliais. Nesta secção induz a sobrerregulação de marcadores de ati-
serão apresentados os dados científicos mais vação microglial e astrocítica (como o CR3C-
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recentes relacionados com a modulação das D11b e o GFAP) ; há libertação e intensificação
ações dos opióides pela glia. da libertação de substâncias pró-inflamatórias
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Os opióides são usados na prática clínica de- induzidas pela morfina (IL-1β, IL-6, TNF-α) ; foi
vido à sua ação analgésica, mas a sua aplica- observada a sobrerregulação das citocinas pró-in-
bilidade é frequentemente minada por efeitos flamatórias na microglia mas não nos neurónios
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indesejados, tais como a tolerância (necessidade após administração de morfina , assim como a
de reforçar a dose administrada para se conse- ativação seletiva do p38 microglial e uma melho-
guir o mesmo efeito analgésico), dependência e ria da eficácia analgésica da morfina quando
recompensa (que pode originar dependência do são usados inibidores da MAPK p38 ; foi ainda
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fármaco). Esses efeitos adversos derivam da ati- detetada uma correlação temporal entre o au-
vação de mecanismos contrarreguladores pelos mento da ativação glial e a produção de citoci-
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quais a supressão da dor será diminuída . Al- nas com uma tolerância progressiva aos efeitos
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guns desses mecanismos têm uma origem neu- da morfina .
ronal, tal como a libertação de peptídeos endó- A prova da relação causal entre a ativação
genos antiopióides (como a colecistoquinina), a glial e a tolerância à morfina é o facto dos efei-
sub-regulação e/ou ação diminuída de recetores tos de tolerância serem revertidos, ou pelo me-
DOR de opióides, e alterações nas cascatas de sina- nos atenuados, pelo uso de inibidores de cito-
, ou pelo
cinas pró-inflamatórias espinhais
68,71,72
lização que se seguem à ativação de recetores,
34 só para nomear alguns . Um desses exemplos bloqueio da sinalização pelo IL-1 . Também
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