Page 13 Volume 11, Número 1, 2003
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Dor (2003) 11
3. Factores que influenciam a dor A tolerância à dor varia de tal forma, que pessoas
com alta tolerância podem lidar com dor intensa du-
A experiência de dor na criança é influenciada e rante um longo período de tempo, antes de esta se
modificada por factores que não devem ser ignora- tornar intolerável e necessitarem de alívio . Do mes-
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dos pelos enfermeiros. Estes factores incluem com- mo modo, o oposto também é verdadeiro para os
ponentes experienciais, comportamentais, emocio- que têm baixa tolerância à dor.
nais, físicos e contextuais . A percepção de um estímulo doloroso pode estar
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McGrath 51 propõe um modelo que demonstra alterada por uma interrupção no mecanismo de re-
como uma variedade de factores internos e externos cepção, transmissão ou de interpretação do impul-
afectam a experiência dolorosa da criança (Anexo I). so doloroso. Um traumatismo ou um tumor medular
São, pois, inúmeros os factores que podem in- pode interromper a transmissão do estímulo e o do-
fluenciar a percepção da sensação dolorosa. A ente não sente dor na área afectada. A fadiga, des-
criança deve ser vista como inserida num contex- conforto, insónia, ansiedade, medo, angustia, aban-
to particular e único, em que factores como o seu dono social, dor persistente e sem alívio, influenciam
estádio de crescimento e desenvolvimento (fisiológi- a percepção de dor, diminuindo a sua tolerância 38,53 .
co, psicológico e experiencial), stress extrafamiliar Poder-se-ía pensar que quanto mais dor uma pes-
(escola, hospital), organização e funcionamento fami- soa sente maior tolerância apresenta, no entanto,
liar (modelo disfuncional do papel da dor, excessiva vários estudos referem que a percepção à dor é in-
atenção à dor, envolvimento da criança nos conflitos fluenciada pelas experiências dolorosas anteriores .
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dos pais), expressão sintomática (frequência, inten- As crianças, ao experimentarem repetidos episódios
sidade, duração da dor), vulnerabilidade da criança de dor (doentes com artrite reumatóide juvenil), têm
(doença crónica, trauma agudo, inadaptação psico- um limiar de dor significativamente mais baixo do
lógica), mecanismos mediáticos (sensibilidade fisio- que as crianças saudáveis .
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lógica, memória de dor, experiências anteriores, an- A ideia que as crianças são incapazes de experi-
siedade), entre outros, podem influenciar a sua mentar/perceber dor foi abandonada e passou para
percepção dolorosa positiva ou negativamente 2,52 . a posição de mito 35,55,56 . No início do século XX pen-
Ao enfermeiro cabe o papel de identificar quais os sava-se que a mielinização do sistema nervoso era
factores que afectam a percepção da dor na crian- indispensável para a percepção e transmissão da
ça, saber em que sentido se faz essa influência (po- dor; no entanto, esta ideia veio a revelar-se falsa uma
sitivo ou negativo) e implementar intervenções tera- vez que a percepção e transmissão da dor faz-se
pêuticas para a prevenção e alívio da dor. através de fibras pouco mielinizadas (Aδ) ou amieli-
Em síntese, diremos que a experiência dolorosa nizadas (C) 10,11,43 .
na criança resulta da interacção de uma multiplicida- Ao nascimento o sistema neurológico, relacionado
de de factores que influenciam a sensação de dor, com a transmissão e modulação da dor, está comple-
desde o desencadeamento do impulso doloroso até to, intacto e perfeitamente funcional 11,43,44 . As crianças
à sua percepção e resposta a essa mesma dor .
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pequenas podem inclusivamente sentir mais dor que
os adultos, as suas estruturas nervosas possuem
Limiar doloroso e tolerância à dor mais substância P, mais receptores de dor e os siste-
Frequentemente fazem-se afirmações de que as mas inibidores da dor, ao contrário dos facilitadores,
variações nas expressões de dor entre pessoas di- estão pouco desenvolvidos na criança pequena 43,44 .
ferentes se deve à diferença entre os seus limiares Uma atitude comum na sociedade é associar a
dolorosos . Em virtude da confusão existente entre tolerância à dor com a capacidade de sofrimento. As
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o uso dos termos limiar de dor, Melzack e Wall defi- pessoas com grande tolerância à dor (capacidade
nem quatro níveis de limiar doloroso a reter : de sofrimento) são consideradas como tendo um
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• Limiar de sensação – corresponde ao valor grande carácter ou bons doentes 11,56 .
mínimo de estímulo que conseguimos percepci- A tolerância à dor, ao ser uma resposta individual
onar como formigueiros e calor. de cada um ao estímulo doloroso, é influenciada por
• Limiar de percepção dolorosa – represen- múltiplos factores psicossociais. Daí ser mais impor-
ta o valor mínimo de intensidade do estímulo tante ao enfermeiro avaliar a tolerância à dor da cri-
percepcionado como dor pela pessoa, ou seja, ança do que avaliar a possível intensidade ou dura-
a menor experiência de dor que uma pessoa é ção desta, uma vez que a tolerância determina a
capaz de reconhecer. experiência dolorosa na criança . Encorajar a crian-
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• Tolerância à dor – valor de intensidade do ça a tolerar a dor é apenas retardar o seu tratamento
estímulo doloroso que impele ao pessoal a ces- e aumentar o seu sofrimento .
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sar a estimulação. Acreditar que as crianças têm menos tolerância à
• Tolerância dolorosa encorajada – valor de dor que os adultos pode levar a pensar que estas
intensidade do estímulo doloroso que a pessoa exageram nos seus protestos em relação à dor que
é capaz de experiênciar depois de encorajada. sentem e assim negligenciar o seu alívio .
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Todas as pessoas têm um limiar de sensação uni-
forme , mas o limiar de percepção da dor é influen- Influencias étnicas e culturais
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DOR ciado por factores fisicos e psicossociais, variando Apesar de ainda haver pouca investigação, o inte-
de uma pessoa para outra, ou na mesma pessoa
12 conforme a ocasião . resse pela forma como a cultura modifica as reacções
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