Page 18 Volume 11, Número 1, 2003
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L.M. Cunha Batalha: Os enfermeiros e a dor na criança Dor (2003) 11
que uma criança está algo desconfortável ou com tificar fenómenos abstractos como a intensidade da 3-7 anos a criança é normalmente incapaz de sim- sos continua a traduzir-se por saberes e práticas fun-
dores pode não significar a mesma coisa para dife- dor. Todavia, as investigações têm apurado que são bolizar e quantificar, o que constitui um desafio para dadas em crenças e concepções míticas que há
rentes enfermeiros. capazes de revelar os vários níveis do seu sofrimen- os profissionais de saúde . A base dos instrumentos muito a ciência já esclareceu e desmistificou 8,86 .
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A avaliação da dor pediátrica é uma actividade to, na medida em que lhe seja proporcionado um ins- usados neste estádio permitem à criança identificar Segundo McCaffery e Ferrell, os jovens antes de
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contínua de observação, entrevista, exame, medição trumento adequado à sua execução . os vários níveis de intensidade de dor que sente. enveredarem pela carreira de enfermagem já possu-
e teste, em que os cuidados planeados após uma Muitos destes instrumentos assemelham-se a São exemplos: em conceitos errados sobre a dor, fruto da sua soci-
avaliação da dor devem possuir objectivos mensurá- brinquedos ou jogos, mas constituem uma tentativa – Escala de faces 67 alização . Neste sentido, deve ser realizado um es-
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veis de modo a que a intervenção do enfermeiro séria e importante de medir essa complexa estrutu- – Escala de OUCHER 70 forço adicional para inverter tal situação, caso
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possa ser adequadamente avaliada . O objectivo ra, subjectiva e ilusória, em pessoas imaturas . – Lascas de madeira 70 contrário continuaremos a assistir a diferentes mo-
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da avaliação da dor deve ser a de proporcionar in- Os instrumentos que permitem o autorrelato são – Escala das peças 83 dos de cuidar dos que sofrem com dor, dependen-
formação no sentido de determinar quais as acções os melhores indicadores da experiência subjectiva – Escala de copos 11 do dos saberes e práticas, crenças e concepções
que devem ser levadas a cabo para aliviar a dor e, da criança 14,70 . Quando cuidadosamente ensinadas – Escala numérica para avaliação da dor 2 de cada enfermeiro.
ao mesmo tempo, avaliar a eficácia dessas acções. a usar estes instrumentos, elas descrevem os vários – Inventário de dor pediátrica 84 Orientar a prática de enfermagem, de acordo com
Um dos princípios fundamentais em todos os as- níveis e características do seu desconforto 14,70 . As crianças em idade escolar encontram-se na uma Teoria de Enfermagem, significa que subjacen-
pectos da enfermagem pediátrica é uma correcta Sem dúvida que as crianças não possuem a mes- fase das operações concretas, com capacidade te a essa prática existe uma linha condutora, susten-
apreciação do desenvolvimento físico, intelectual, fi- mas habilidades cognitivas que os adultos para para compreenderem fenómenos abstractos . Para tada por conceitos e pressupostos que definem a
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siológico, e psicológico da criança em cada um dos quantificar e qualificar um fenómeno abstracto. Tor- além dos instrumentos anteriores podem ser usadas: profissão, os seus objectivos e finalidades em con-
seus estádios de desenvolvimento, assim como o co- na-se imperioso usar métodos que facilitem a comu- – Escalas analógicas visuais 2 gruência com um paradigma.
nhecimento da forma como é afectada pela experiên- nicação com a criança. Ou seja, os instrumentos de – Escalas de classificação numérica 70 Os paradigmas são correntes de pensamento, for-
cia dolorosa . Para além dos pais, elementos precio- medição devem acomodar os níveis de desenvolvi- – Questionários de dor pediátrica 85 mas de ver e compreender o mundo, que influenci-
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sos para um conhecimento profundo da criança, a mento da criança 11,14,70,80 . – Desenho am o desenvolvimento dos saberes e do saber-fazer
observação é um instrumento privilegiado em pedia- É importante realçar que uma criança pode negar – Diários no seio das disciplinas .
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tria de valor crescente (quanto menor a idade da cri- a existência de dor, se o profissional de saúde lhe for Sob o ponto de vista do desenvolvimento cogniti- A forma como os enfermeiros conceptualizam os
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ança e/ou impossibilidade de comunicação verbal) . estranho, se julga que esperam que ele seja corajo- vo, os adolescentes estão no estádio das operações principais centros de interesse da enfermagem (cui-
As alterações de comportamento na criança podem so, se tiver medo, ou se pensar que pode vir a levar formais, pelo que usam sem dificuldade os instru- dar, pessoa, saúde e ambiente) é determinante para
ir da irritabilidade à letargia, da insónia à sonolência, injecções para tratar a sua dor 3,80 . mentos anteriormente referidos, ou mesmo escalas o seu enquadramento paradigmático e selecção da
da agitação à prostração, passando pela rigidez cor- Crianças com menos de 7-8 anos de idade apre- criadas para adultos . Podem incluir, nas suas descri- Teoria de Enfermagem que guia a sua prática .
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poral; alterações do padrão de sono e alimentação sentam limitações na sua capacidade de caracteri- ções da experiência dolorosa, factores psicológicos e Durante muito tempo a enfermagem viveu sob a
são sinais decisivos (se bem que indefinidos) que os zação verbal da dor. No entanto, quando solicitadas emocionais . É importante referir que os adolescentes égide de uma visão mecanicista ou biomédica. En-
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enfermeiros pediátricos devem estar habilitados a in- a darem detalhes acerca das suas experiências do- doentes podem regredir no seu desenvolvimento, costada à medicina, o objectivo da enfermagem era
terpretar 3,14,67,72 . A expressão facial (franzir a testa, lorosas, as crianças são capazes de fazê-lo, descre- pelo que é necessário uma adaptação constante promover a saúde, tratar e prevenir a doença. A pes-
fazer uma careta, cerrar os dentes), a linguagem vendo e explicando o que precisavam para a aliviar . dos instrumentos a usar com as suas habilidades soa era entendida como o somatório do corpo e
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corporal e as relações estabelecidas, se bem que Crianças com menos de 5 anos podem dar informa- cognitivas, da mesma forma que se faz para as cri- mente, o ambiente como um conjunto de estímulos
não quantifiquem directamente a dor, proporcionam ções úteis quanto à existência ou não de dor, não anças mais pequenas (Anexo III). internos e externos que envolvem a pessoa, e a saú-
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dados objectivos extremamente úteis 14,67,72 . conseguindo contudo quantificá-la . A utilização destes e outros instrumentos permite de como um processo dinâmico de bem-estar físico
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As variações nas respostas fisiológicas à dor, A introdução de instrumentos de medição na prá- aos enfermeiros planear e avaliar a eficácia das suas e mental que pode ser melhorado pela manipulação
como sudorese, alterações nos sinais vitais, agita- tica cuidativa diária cria a visão de uma aproximação intervenções no alívio da dor, reduzir a influência de do ambiente, com a finalidade de estabelecer um
ção e midríase 14,67,72 são úteis em procedimentos de sistemática à medição da dor, um sistema no qual opiniões, crenças e saberes e práticas de alguns equilíbrio de adaptação. O enfermeiro intervém a tí-
curta duração que provoquem dor aguda. Contudo, crenças pessoais, saberes e práticas e subjectivida- profissionais nessa mesma avaliação, e permitir às tulo de conselheiro ou perito. Esta forma de conce-
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na maioria das dores cirúrgicas e relacionadas com des são reduzidos ao mínimo . Mais, a criança passa crianças tornarem-se as peritas na avaliação da sua ber a enfermagem ainda predomina e insere-se no
doenças, ocorre rapidamente uma adaptação fisio- a ser o perito na avaliação das suas próprias dores 7,73 . própria dor . paradigma da totalidade .
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lógica e estas alterações deixam de existir . Como norma, os métodos objectivos (avaliados Todavia, os enfermeiros precisam de desenvolver Contudo, e segundo a mesma autora, emerge um
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A dor, ao ser avaliada pelas respostas fisiológicas pelos profissionais de saúde) só devem ser utiliza- estratégias e perícia no campo da selecção dos ins- novo paradigma: o da simultaneidade. A essência da
e comportamentais, pode-se revelar numa atitude ir- dos quando os métodos subjectivos (autorrelato) trumentos mais indicados, feita em função duma mul- enfermagem centra-se numa visão holística do cuidar.
responsável por parte do enfermeiro, uma vez que a não são possíveis . tiplicidade de factores. Só assim se conseguirá a de- A pessoa é vista como mais do que o somatório de
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criança que não manifeste esses sinais exteriores de A avaliação da dor em lactentes é necessariamente finição de objectivos mensuráveis e a implementação partes, como um ser aberto livre de escolher o seu ca-
dor não significa necessariamente que não esteja a indirecta 14,70 . Usam-se parâmetros comportamentais dum plano de cuidados pertinente e adequado . minho, que dá sentido às situações vividas e é res-
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sofrer (mecanismo de adaptação à dor crónica) 48,80 . (choro, gritos, expressão facial, movimentos corpo- ponsável. Está em permanente mudança, fruto da in-
Um outro factor de suma importância na avaliação rais, resposta a estímulos, comportamento em geral) Capítulo II – A expressão do cuidado à criança teracção mútua e simultânea com o mundo que a
da criança com dor é, sem dúvida, o facto da crian- e fisiológicos (pulso, respiração, tensão arterial, su- com dor e sua família rodeia. Importa sublinhar que a noção de pessoa é
ça internada ter uma multiplicidade de pessoas a dorese, hopoxemia, níveis de cortisol). A escala alargada, englobando a família, grupo e comunidade .
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cuidar dela, o que indubitavelmente provoca uma Amiel-Tison agrupa alguns destes indicadores . Este capítulo situa-nos no paradigma da simulta- A saúde é entendida como um processo em desen-
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descontinuidade de observação dos sinais de dor . Para a criança em idade pré-escolar foram desen- neidade na orientação das intervenções de enferma- volvimento, uma experiência pessoal de vida que de-
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Apesar dos avanços realizados na área da avalia- volvidos um grande número de instrumentos de ava- gem no cuidado à criança com dor e sua família. pende da prioridade dos valores de cada um. É um
ção da dor na criança, ainda hoje não existe uma so- liação da dor. Os que se baseiam na observação do Apresenta as intervenções cuidativas farmacoló- bem-estar e de realização do seu potencial de criação.
lução técnica universalmente aceite . No entanto, é profissional de saúde (comportamento em geral, ma- gicas e não farmacológicas, desmonta os principais Ambiente é uma parte do universo da qual a pessoa
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consensual que na avaliação da experiência doloro- nifestações de stress) de que são exemplos as es- mitos e crenças e descreve novas abordagens no faz parte, e que se caracteriza pela sua constante mu-
sa da criança intervêm factores comportamentais, fi- calas de dor infantil de Gustave-Roussy (DEGR), es- alívio da dor pediátrica. dança com ritmo próprio e orientação imprevisível, fru-
siológicos e psicológicos 11,14,72,73 . cala de dor do Hospital Infantil do Leste de Ontario to da interacção mútua e simultânea com a pessoa .
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Como a dor é uma experiência essencialmente (CHEOPS), escala de Gauvain-Piquard, et al. 70,74 . 1. Teorias de suporte no cuidar O cuidar visa manter o bem-estar definido por
subjectiva, a sua avaliação deve valorizar a percep- Os instrumentos de autorrelato são usados nas DOR DOR Hoje em dia os enfermeiros têm ao seu dispor cada pessoa. A enfermeira mobiliza todos os seus
ção de quem a experimenta. Antigamente, acredita- crianças na fase de desenvolvimento cognitivo, de- mais recursos e métodos para aliviar a dor dos que saberes em prol da qualidade de vida, segundo a
va-se que as crianças não fossem capazes de quan- nominada por Piaget de pré-operacional. Entre os 17 18 sofrem. Todavia, a gestão destes métodos e recur- perspectiva pessoal de cada um, acompanhando as