Page 16 Volume 11, Número 1, 2003
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L.M. Cunha Batalha: Os enfermeiros e a dor na criança
uma interpretação inadvertidamente incorrecta agra- A criança possui um número limitado de mecanis-
vando a percepção dolorosa . O cérebro humano mos para enfrentar e superar o stress. Em geral, as
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não é capaz de percepcionar conscientemente to- reacções comportamentais estão relacionadas com
dos os estímulos que lhe chegam a cada momento, a sua idade.
“princípio da inundação sensorial” . A maioria dos
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estímulos são ignorados e esta selecção é passível Lactentes
de aprendizagem . Reside aqui o sucesso de algu- A dor humana é um atributo da pessoa, que pres-
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mas terapêuticas não farmacológicas. supõe uma componente neurológica, mas também a
memorização e o repercutir psicológico que lhe dão
4. Respostas à dor uma clara implicação em comportamentos futuros .
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Até há bem pouco tempo era consensual que o re-
A resposta de uma pessoa à dor inclui inúmeras cém-nascido era incapaz de se lembrar da dor, isto
manifestações fisiológicas (voluntárias e involuntárias) devia-se a uma variedade de razões, incluindo a
e comportamentais (verbais e não verbais) 11,48,53,66,67 . imaturidade do sistema nervoso . Contudo, cada
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As respostas fisiológicas à dor tem uma função pro- vez mais existem evidências que demostram que,
tectora e prepara o organismo para evitar ou enfrentar embora a criança não verbalize a sua dor, revela al-
a dor. As manifestações fisiológicas voluntárias consis- terações comportamentais após actos dolorosos
tem em movimentos reflexos do organismo no sentido (alimentação, sono, irritabilidade, alterações de con-
de evitar a acção do estímulo doloroso. As reacções in- trolo dos esfíncteres, aumento da actividade, baixa
voluntárias envolvem órgãos e glândulas internas e saturação de oxigénio, taquicardia, etc.) que nos fa-
consistem normalmente em midríase, tensão muscular zem concluir o inverso 11,15,44 .
esquelética, aumento da tensão arterial, taquicardia, Aproximadamente aos 4-6 meses, os lactentes
polipneia, palidez, sudação, anorexia, náuseas, vómi- não reagem apenas à estimulação dolorosa, mas a
tos, insónias, inquietação e irritabilidade 48,53 . uma variedade de factores perceptíveis no seu am-
Ao contrário das manifestações fisiológicas as com- biente, demonstrando memorização das experiênci-
portamentais diferem muito de pessoa para pessoa . as dolorosas anteriores . A reacção perante a bata
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Estas manifestações podem ser tão diversas como depois de uma primeira vacinação é frequente .
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gemidos, choro, lacrimejo, agitação, gritos, franzir a Elas reagem intensamente com resistência física e
testa, expressão facial monótona, piscar os olhos rapi- falta de cooperação. Podem recusar-se a permane-
damente ou adoptar posições antiálgicas 48,53,68 . cer quietas, empurrar a pessoa ou tentar escapar. A
As manifestações comportamentais de dor são in- distracção pode ser pouco útil, e a preparação an-
fluenciadas por variados factores que vão desde an- tecipada pode aumentar o medo e resistência física.
tecedentes étnicos, culturais, experiências de infân- No estudo desenvolvido por Salantera , 30% dos
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cia, educação, idade, estádio de desenvolvimento enfermeiros pediátricos finlandeses acreditavam
cognitivo, estado emocional, experiências dolorosas que os lactentes não tinham capacidades para me-
do passado, a incerteza, condição física, tipo de dor, morizar a dor ou não souberam responder.
etc. 48,53,69 . Fruto do desenvolvimento cognitivo e da
vivência sociocultural, elas são mais ajustadas à res- Criança dos 1-3 anos
posta fisiológica quanto mais baixa é a idade da cri-
ança e a sua incapacidade de comunicar verbal- As crianças nesta faixa etária têm um conceito so-
mente a dor, porque são menos influenciadas pelos bre o seu corpo pouco desenvolvido, particularmen-
factores intervenientes na sua modulação . te os limites corporais. Para elas as experiências in-
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O enfermeiro também tem o seu capital cultural, e vasivas são altamente ansiogénicas (avaliação de
saberes e práticas em relação à criança com dor. Se temperatura rectal), e podem reagir a tais procedi-
o enfermeiro valoriza a atitude de sofrer em silencio, mentos não dolorosos tão intensamente como reagi-
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pode reagir negativamente a uma criança que dá li- ria a estímulos dolorosos .
vre expressão verbal à dor . Esta atitude do enfermei- As crianças deste grupo etário reagem a qualquer
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ro é normal, e reflecte os seus próprios valores soci- experiência dolorosa ou percebida como tal, com
ais e pessoais. Se essas diferenças são reconhecidas perturbação emocional e resistência física acentua-
e aceites, o enfermeiro terá capacidade para aceitar da. Os comportamentos mais frequentes são: caretas,
as diferenças e planear cuidados de uma forma efi- cerrar os lábios e os dentes, balançar, arregalar os
caz, sem deixar que estas diferenças prejudiquem a olhos, agitação, agressividade (morder, bater ou fugir).
capacidade de avaliar e cuidar da criança com dor. Por volta dos 3 anos são capazes de comunicar
A ansiedade, medo, e a exaustão não só influen- verbalmente a sua dor; embora não consigam des-
ciam a percepção da dor como também agravam a crever ou explicar a sua intensidade, são capazes
resposta à experiência dolorosa. Uma criança que de a localizar. Podem dizer que lhes dói a barriga, a
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experimentou dores intensas provavelmente apre- perna, etc. .
sentará um maior grau de ansiedade face à expec-
tativa de outra experiência dolorosa 15,48 . Criança dos 4-6 anos
Estratégias de adaptação à dor na infância são Os conflitos psicossexuais da criança deste gru-
muito difíceis de distinguir das estratégias de adap- po etário torna-as mais vulneráveis a ameaças de DOR
tação ao stress . A dor é sempre um factor de stress, lesão corporal. Os procedimentos dolorosos repre-
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mas o stress nem sempre provoca . sentam uma ameaça para elas, cujo conceito de 15
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