Page 14 Volume 11, Número 1, 2003
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L.M. Cunha Batalha: Os enfermeiros e a dor na criança
à dor na criança tem vindo a aumentar nas duas últi- sitivos da dor em 24 crianças com idades entre os 9-
mas décadas. De igual modo, devemos estar atentos 12 anos, que pertenciam a três grupos culturais di-
para o impacto que a cultura tem na percepção do ferentes (latino-americanas, asiático-americanas e
enfermeiro sobre a dor da criança. Martinelli refere árabe-americanas) concluíu que as crianças árabes
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a propósito que os técnicos de saúde são muitas ve- e latino-americanas usaram palavras mais sensiti-
zes etnocêntricos, não tendo em conta estes factores. vas, e as outras escolhiam palavras mais afectivas e
Weisenberg, ao efectuar uma revisão da literatura avaliativas para descrever a sua dor.
científica respeitante a diferenças culturais sobre a
dor, concluíu que as manifestações de dor se devi- O ambiente
am mais a factores de ordem cultural individual do
que a diferenças de sensibilidade para com o estí- A dor é influenciada pelo ambiente desde o perío-
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mulo doloroso . do neonatal . As mães descrevem com frequência
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O antropologista Zborowski observou dois esta- um choro mais inquieto do seu filho quando se sen-
dos de comportamento como resposta à dor, que tem inseguras ou angustiadas. A noção de consolo
descreveu como “comportamento orientado para o também é notória quando a mãe acaricia o seu filho,
presente e comportamento orientado para o futu- lhe pega e o envolve no seu corpo.
ro” . Nas suas pesquisas, Zborowski constatou que Uma criança pode achar intolerável, no hospital, os
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os judeus e italianos exteriorizavam mais a sua dor tratamentos que suporta em casa . As experiências
no sentido de procurarem apoio e simpatia, procura- negativas anteriores do hospital, restrição das visitas,
vam o alívio imediato para a dor e eram cépticos e ausência dos pais ou o corte com o mundo exterior
desconfiados em relação ao futuro (continuavam a são exemplos que contribuem para essa situação.
queixar-se muito mesmo depois da dor ter diminuído As alterações no ambiente como o isolamento, es-
de intensidade e sofriam de angustia em relação ao curidão ou outras situações em que esteja presente
que o futuro lhes reservava). Os anglossaxónicos ex- o elemento de privação sensorial aumentam a ansi-
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teriorizavam menos a sua dor, e as reservas quanto edade e a percepção de dor .
ao futuro eram em menor grau.
Os valores culturais veiculados pela sociedade Desenvolvimento cognitivo e compreensão de dor
como o sofrer em silêncio, “gente grande não deve As diferentes teorias do desenvolvimento tem con-
chorar” ou ainda “os homens não choram”, marcam tribuído para que o universo das capacidades e ne-
e influenciam por toda a vida a resposta à dor 48,53 . cessidades da criança sejam compreendidas e
Vários estudos antropológicos ilustram a influên- aceites por todos aqueles que se ocupam do seu
cia dos valores culturais na experiência de dor . A bem-estar e desejam proporcionar-lhes as condi-
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dança do sol dos índios Pés-negros da América do ções favoráveis para o seu desenvolvimento.
Norte e o ritual da suspensão do anzol na Índia são Warni descreve a dor como um complexo fenó-
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exemplos paradigmáticos. meno de desenvolvimento cognitivo, o que realça
Ngergi escreve, acerca das crenças dentro de tribos bem o quanto este aspecto, na dor pediátrica, me-
africanas, que estas estão culturalmente definidas. rece por parte do enfermeiro uma atenção particular.
Nesta tribo, aos homens Kikuyu ou Masai, espera-se A forma como a criança compreende a dor asseme-
que estejam quietos na resposta à dor; enquanto as lha-se à sua compreensão da doença em geral. Com
mulheres podem chorar ou agir da maneira que quise- o crescimento e desenvolvimento evoluem as suas ha-
rem excepto durante o trabalho de parto, onde o estoi- bilidades e compreendem mais sobre elas próprias, o
cismo é esperado . Nestes casos, dor e cultura estão que tem implicações na sua forma de lidar com a dor.
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associados, e as respostas comportamentais estão Um estudo de Eiser e Patterson reflecte o desenvolvi-
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identificadas como regras e tradições da sociedade. mento da compreensão, pelas crianças dos seus cor-
Bernstein e Pachter estudaram a influência da pos e das funções realizadas pelos vários órgãos.
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cultura na experiência dolorosa, e sugerem: À medida que progride o desenvolvimento da cri-
• variações individuais na percepção e resposta à ança, aumentam as capacidades e habilidades, fac-
dor a estímulos nocivos, aparentemente similares; tor importante a considerar pelo enfermeiro quando
• que factores cognitivos e saberes e práticas explica à criança a sua dor, doença e procedimen-
subjacentes interferem na experiência individu- tos que são necessários ao seu tratamento.
al de dor; O desenvolvimento cognitivo das crianças nem
• diferentes modelos explicativos de doença e sempre condiz com a sua idade cronológica, pelo
respectivas condições culturais; que é importante considerar este aspecto quando
• aprendizagem da família e sociedade. falamos com a criança .
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Os estudos existentes relacionados com dor e cul- Num estudo efectuado por Brewster em crianças
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tura na criança colocam questões semelhantes às hospitalizadas com doença crónica dos 5-13 anos
dos adultos. Em algumas situações, dor e cultura es- de idade, verificou-se que as respostas das crianças
tão muito associadas, sobretudo quando as respos- podiam ser classificadas numa sequência de três
tas e comportamentos estão relacionados com re- estádios do desenvolvimento conceptual, sobre a
gras e tradições de uma sociedade . compreensão da causa das suas doenças.
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Abu-Saad , ao estudar através de entrevistas se- Crianças com menos de sete anos sentiam que a DOR
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miestruturadas as causas, cores, descrições, senti- doença era causada por uma acção humana. As de
mentos, mecanismos de adaptação e aspectos po- 7-10 anos de idade pensavam que havia uma causa 13