Page 20 Volume 11, Número 1, 2003
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L.M. Cunha Batalha: Os enfermeiros e a dor na criança
suas experiências de vida, ao estar sempre presen- 2. Intervenção farmacológica
te, ao estabelecer parcerias nos cuidados, no res- O tratamento farmacológico em pediatria é uma
peito mútuo, no estabelecimento de uma verdadeira das modalidades mais importantes e eficientes .
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relação de ajuda que possibilite o desenvolvimento Na perspectiva de Goodinson , cabe ao enfer-
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do potencial de cada pessoa . meiro a responsabilidade de:
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O objectivo da enfermagem é a qualidade de vida • Decidir, sob prescrição médica, quando adminis-
da pessoa na sua própria perspectiva. E o enfermei- trar um analgésico, via a utilizar, droga e doses.
ro intervém numa atitude de parceria ou acompanha- •Avaliar regularmente a eficácia dos analgésicos.
mento onde a figura de autoridade é a pessoa . • Colaborar na revisão terapêutica.
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Para orientar a prática dos cuidados à criança • Detectar precocemente efeitos colaterais dos
com dor e sua família, o enfermeiro pediátrico deve analgésicos.
adoptar um modelo conceptual de enfermagem em •Dissipar receios e concepções erróneas de cri-
congruência com o paradigma da simultaneidade. A anças e pais sobre a terapêutica utilizada.
abordagem da criança e sua família deve ser feita de •Preparar e administrar correctamente os analgé-
forma holística, com respeito pelas suas diferenças, sicos.
considerando as suas crenças e práticas culturais . •Elucidar criança e pais sobre a utilização dos
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Neste sentido, os cuidados são actos humanos cria- analgésicos no domicílio.
tivos, únicos e personalizados . Em 1986, a Organização Mundial de Saúde (OMS)
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Quando orientados em congruência com o para- propôs um esquema de abordagem farmacológica
digma da simultaneidade, a pessoa tem o dever e o da dor pediátrica de forma progressiva e associada
direito de participar no planeamento, execução e a terapêutica sedativa adjuvante 2,90 .
avaliação dos cuidados que lhe são prestados, pelo Numa primeira fase deverão ser utilizados analgé-
que devem ser desenvolvidos em parceria. A prática sicos não opióides, seguidamente os opióides fra-
rege-se por pressupostos em que o enfermeiro de- cos e finalmente os opióides fortes 2,11,90 .
monstra um envolvimento pessoal e profissional que Apesar do espectro de medicamentos utilizados
testemunha uma efectiva presença, autenticidade, no alívio da dor ser bastante amplo, normalmente
respeito e interesse pelas particularidades de cada são utilizados os analgésicos, mas também os anes-
um, promovendo as bases de uma relação de ajuda . tésicos, anticonvulsivantes, diuréticos, corticoides,
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Cuidar de uma criança com dor e sua família pas- EMLA, etc. 2,89 .
sa pela vivência conjunta de uma relação partilhada, Existem dois tipos de analgésicos que são a pe-
cuja presença, disponibilidade, escuta, acompanha- dra angular do tratamento da dor: os não opiáceos e
mento, autenticidade e confiança mútua facilita o de- os opiáceos ou narcóticos .
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senvolvimento das potencialidades da criança e fa- A analgesia não opiácea usa-se isoladamente ou em
mília que as ajudam a encontrar o caminho que associação com outros fármacos para potenciação
desejam para dar sentido às suas experiências . dos seus efeitos e constituem a 1ª linha no combate à
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Por último, o enfermeiro reconhece o contributo de dor . Fazem parte deste grupo o paracetamol e ácido
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outros elementos da equipe de saúde para melhorar acetilsalicílico, cuja acção ainda não é perfeitamente
a qualidade de vida da criança e família, e a utiliza- conhecida , e os analgésicos antiinflamatórios não
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ção de um modelo teórico de enfermagem congru- esteróides, como o ibuprofeno. Actuam, essencial-
ente com este paradigama da simultaneidade, como mente, por diminuição da síntese de prostaglandi-
é a teoria da diversidade e universalidade cultural do nas a nível do local de agressão, embora possuam
cuidar de Leininger e a teoria do Human Care de igualmente uma acção sistémica 92-94 . O seu uso deve
Jean Watson. ser feito de uma forma regular para evitar o reapare-
Independentemente do modelo que guia a prática cimento da dor 11,71 , e doses superiores às recomen-
de enfermagem, os enfermeiros desempenham um dadas não têm um efeito analgésico maior .
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papel chave na prevenção e alívio da dor na criança Os analgésicos opiáceos fracos como o tramadol
ao garantirem um permanente ambiente de carinho, e codeína constituem a segunda linha de combate à
segurança e conforto através duma multiplicidade dor, associados ou não aos não opiáceos 11,90 .
de funções orientadas para a criança e sua família . Dos analgésicos opiáceos fortes fazem parte vári-
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Para esta autora, o enfermeiro deve agir como ad- as drogas, das quais a morfina é o exemplo clássi-
vogado de defesa da criança ao assegurar que não co 89,90,95 . A sua acção predominante é central, embora
seja sujeita a procedimentos dolorosos desnecessa- actue ao nível periférico, sendo equivalente aos opiá-
riamente e que os analgésicos prescritos sejam real- ceos endógenos 89,90,95 . A morfina estimula os recepto-
mente eficazes. A avaliação da dor deve ser uma ac- res opiáceos distribuídos por todo o SNC e tecidos
tividade contínua e dinâmica como se de um sinal periféricos, e os seus efeitos centrais mais importantes
vital se tratasse. A relação estabelecida pelos enfer- (sobre os quais giram grande parte das suas indicações
meiros com os vários elementos da equipa multidisci- terapêuticas e das suas limitações) são a analgesia,
plinar, bem como com as crianças e suas famílias, são sedação, depressão respiratória e a dependência .
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preciosas para aliviar o medo e ajudar as crianças a
controlarem a sua dor através de um processo de ne-
gociação. Por último, os enfermeiros tem uma respon- 1 Os termos opiáceo (fármaco de origem natural) e opióide DOR
sabilidade acrescida na aprendizagem e desenvolvi- (origem sintética ou semissintética) são usados indistinta-
mento dos seus conhecimentos nesta área do cuidar. mente para mais fácil entendimento. 19