Page 21 Volume 11, Número 1, 2003
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Dor (2003) 11
A morfina é eficaz no tratamento das dores visce- ções, o tratamento farmacológico da dor tem indica-
rais e tegumentares, mas não nas dores de origem ções precisas. Para além dos analgésicos, muitos
nevrálgica pós-herpética, destruição ou compres- outros medicamentos podem ser usados. Os anes-
sões nervosas, distensão gástrica, tenesmo rectal e tésicos, que evitam a dor suprimindo a consciên-
cerebrais talâmicas . Para o mesmo autor, ela é cia . Os corticosteróides, que inibem a resposta in-
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mais eficaz quando administrada preventivamente, flamatória e reduzem a produção de prostaglandinas
ou seja, antes do aparecimento da dor. E2, substância estimuladora dos receptores de
Se a utilização dos opiódes em adultos é tradicio- dor . Os anticonvulsivantes, que reduzem a activi-
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nalmente baixa, diversos mitos limitam ainda mais o dade eléctrica das fibras nervosas traumatizadas e
seu emprego nas crianças . são úteis no tratamento da dor do membro fantas-
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O primeiro refere-se à crença de que as crianças ma . Os diuréticos promovem a eliminação renal, di-
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metabolizam a morfina de forma distinta dos adultos, minuindo os edemas e a pressão dos tecidos . Os
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estando por isso mais sensíveis aos seus efeitos de- antidepressivos são úteis na dor crónica ao propor-
pressores . Na realidade, esta afirmação é verda- cionarem um sono repousante e aumentarem os ní-
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deira nos recém-nascidos, mas a partir do mês de veis de serotonina ao nível das sinapses centrais,
idade a sua eliminação é similar à do adulto 11,19,96 . bloqueando a transmissão dos impulsos dolorosos e
O segundo refere-se à capacidade da morfina de- estimulando a acção dos opiáceos endógenos 89,91 .
sencadear dependência 2,95,96 . Exceptuando o seu Quanto aos sedativos, ajudam no relaxamento, redu-
uso não médico, em doses superiores às necessári- zem a ansiedade e provocam amnésia dos actos do-
as e em dores não sensíveis à morfina, tal suposição lorosos . A sedação não deve ser confundida com
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não tem nenhuma base racional, nem existem dados analgesia; na generalidade, os sedativos são des-
que o justifiquem 2,19,95,96 . Porter e Jick, num estudo providos de efeitos analgésicos 15,90,91,97 .
efectuado a 11.882 doentes, só 4 desenvolveram ha- O leite materno e a administração oral de saca-
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bituação, mas todos eles com um passado comum rose reducem a dor associada a procedimentos
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de abuso de medicamentos . dolorosos, embora só por si não sejam suficientes
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O terceiro mito diz respeito à depressão respirató- para aliviar a dor moderada a forte .
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ria. Aos 6 meses os lactentes não são mais suscep- O tratamento farmacológico da dor pediátrica en-
tíveis que os adultos . Segundo Pimentel , Miller e volve princípios importantes a ter em conta:
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Jick, ao estudarem 3.263 doentes submetidos a tra- 1. Administração dos medicamentos a horas fixas
tamento com analgésicos narcóticos, apenas 3 de- em função da sua semi- 2,11,71,89,90,91 . O alívio efi-
sencadearam uma depressão respiratória. Está pro- caz da dor pressupõe que a medicação deve
vado que a existência de dor inibe o aparecimento ser dada antes da ocorrência da dor. Mesmo
da depressão respiratória . Acresce, que um doen- quando a criança se encontra a dormir, esta
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te com depressão respiratória desencadeada por deve ser administrada preventivamente 7,11,89-
um opiáceo apresenta bradipneia, mas com movi- 91,99 . Com esta abordagem evita-se a dor, meno-
mentos amplos, profundos e muito eficazes . Impor- res doses terapêuticas para o seu posterior alí-
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ta salientar que os profissionais se devem lembrar vio, menor tolerância aos analgésicos e,
que a naloxona é um medicamento que se encontra naturalmente, menos efeitos colaterais.
disponível e reverte este efeito dos opióides 2,95,96 . 2. A dose dos analgésicos deve ser determinada
Aparentemente, o subtratamento da dor em pedi- de acordo com as necessidades individuais 11,91 .
atria está relacionado com razões e motivos que in- A posologia a usar na administração dos analgé-
teragem entre si e permitem que esta situação se sicos é aquela que alivia eficazmente a dor sem
mantenha aliada a crenças e mitos e preconceitos produzir efeitos secundários indesejáveis 2,100 . A
incorrectos 19,90 . farmacocinética e farmacodinâmica em pedia-
Hoje é aceite que os recém-nascidos podem tria é influenciada por inúmeros factores, sendo
transmitir os estímulos nociceptivos e receber essa as diferenças não só notórias entre a criança e o
informação ao nível cortical, mas errado assumir que adulto, mas também entre as crianças de diferen-
a criança é um adulto em miniatura 2,96 . tes idades . Para o mesmo autor, prematuros e
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De facto, em crianças com menos de 3 meses pa- recém-nascidos apresentam alguma incapacida-
recem existir: algumas diferenças no desenvolvi- de na metabolização, eliminação, permeabilida-
mento dos receptores opióides e de diferentes capa- de da barreira hematoencefálica, e diminuição
cidades de modulação da transmissão dolorosa; o das proteínas plasmáticas circulantes, que po-
nível de proteínas plasmáticas é mais baixo, de que dem conduzir a um aumento dos efeitos analgé-
resulta uma maior quantidade de opióides livre que sicos. A criança em idade pré-escolar, ao apre-
atravessa a barreira hematoencefálica; por sua vez, sentar a mesma capacidade de metabolização
esta apresenta uma maior permeabilidade; o siste- e eliminação dos fármacos que o adulto, possui
ma enzimático é ainda imaturo (principalmente no um maior rácio massa hepática / renal e a mas-
primeiro mês), o que pode aumentar a semivida dos sa corporal que resulta numa maior eficácia na
opióides; e, por último, a grande variabilidade de metabolização e eliminação dos farmacos em
resposta aos opióides. Todavia, após os 3 meses de relação ao adulto, tanto mais que normalmente
DOR idade não existem mais riscos que nos adultos 2,96 . estes órgãos não foram ainda sujeitos a agres-
Sem menosprezar as interacções medicamento-
sões . Assim sendo, individualizar a dose de
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20 sas, os possíveis efeitos secundários e contraindica- medicação analgésica em função da sua eficá-
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