Page 18 Volume 13 - N.1 - 2005
P. 18
Dor (2005) 13 J. Barros: Enxaqueca: Clínica e Diagnóstico
Enxaqueca
Clínica e Diagnóstico
José Barros
A enxaqueca é uma entidade crónica paroxís- tema nervoso autónomo e de outros aparelhos e
tica, com características definidas, mas também sistemas.
com alguma variabilidade clínica e diversas for- A descrição convencional da crise de enxa-
mas de expressão. queca consiste numa sequência de aconteci-
A prevalência da enxaqueca no adulto situa- mentos, sistematizados por Blau em cinco fases:
se entre 10 e 15%, com consequências socioe- 1. pródromos; 2. aura; 3. cefaleia; 4. resolução,
conómicas importantes. A maior prevalência da e 5. pósdromos. Entretanto, na maioria, esta or-
enxaqueca no sexo feminino é aceite; a razão dem académica não se verifica. Algumas fases
homem-mulher é, consoante os estudos, de 1:2-3. podem faltar nalgumas pessoas e/ou nalgumas
A enxaqueca aparece habitualmente na segun- crises, a ordem de aparecimento pode ser outra,
da ou terceira décadas, e raramente após a em sequência contínua ou com intervalos variá-
meia-idade. A enxaqueca pode aparecer na in- veis entre as fases. Em cada indivíduo, a síndro-
fância. Rapazes e meninas podem ser igualmen- me pode variar de poucos sintomas até a um
te atingidos; o predomínio do sexo feminino só leque exuberante de manifestações clínicas.
aparece na adolescência. A enxaqueca tende a
diminuir ou desaparecer após a quinta década. Pródromos
Clínica Cerca de 60% das pessoas com enxaqueca
identificam sintomas premonitórios. Estes sinto-
Início da crise mas vagos e mal definidos podem preceder a
O início de um episódio de enxaqueca pode aura ou a cefaleia de horas ou dias. Os pródro-
variar de uma pessoa para outra e, no mesmo mos podem incluir alterações de humor ou com-
indivíduo, de um episódio para outro. Pode surgir portamento (ansiedade, depressão, irritabilida-
a qualquer hora do dia ou da noite. A intensidade de, lentidão, apatia, euforia, excitação), sintomas
da cefaleia pode acordar o indivíduo durante o neurológicos (bocejo, fono-fotofobia, visão ene-
sono; noutras ocasiões aparece ao despertar es- voada, tonturas), sintomas sistémicos (fadiga,
pontâneo. Na maioria dos casos vai-se desen- mialgias, retenção de fluidos, palidez) e alimen-
volvendo e progredindo lentamente durante o tares (anorexia, náusea, fome, desejos, bulimia).
dia, com o indivíduo em actividade. As associações destes sintomas variam muito,
mas têm alguma consistência num indivíduo
Frequência considerado particularmente.
A frequência dos episódios é muito variável.
A maioria das pessoas com enxaqueca tem um Aura
ou mais episódios por mês, mas outras experi- É uma disfunção neurológica focal transitória
mentam apenas alguns episódios ao longo da que se desenvolve em cerca de 5 a 20 minutos
vida. Se um doente se queixa de duas ou mais (60 minutos no máximo), e que precede a cefaleia.
crises por semana o diagnóstico deve ser ques- A aura aparece em menos de 20% das pessoas
tionado e revisto, tratando-se mais provavelmente com enxaqueca, e destas 70% também têm al-
de síndrome de abuso medicamentoso ou de ce- guns episódios sem aura. A aura visual é a mais
faleia de tensão. comum, podendo ser produtiva (alucinações visu-
ais) ou deficitária (amputações do campo visual,
Síndrome escotomas, hemianópsias). Fotopsias são as mais
A enxaqueca não é apenas uma cefaleia. É um simples alucinações visuais (pequenas manchas,
estrelas, pontos, flashes e setas luminosas, ou fi-
conjunto de sinais e sintomas decorrentes do guras geométricas simples a tremeluzir ou a bri-
compromisso do sistema nervoso central, do sis- lhar). O escotoma cintilante é considerado o mais
distintivo sintoma visual da enxaqueca: uma ban-
da ou um arco de visão amputada com uma mol-
dura em ziguezague brilhante ou resplandecente.
Assistente Graduado de Neurologia DOR
Hospital Geral de Santo António A alteração visual geralmente inicia-se no centro e
Porto, Portugal progride lateralmente. O escotoma é semi-circular 17