Page 21 Volume 13 - N.1 - 2005
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Dor (2005) 13
A hemicrania pulsátil, característica do adul- apresentação inaugural (primeiros episódios) de
to, é menos comum na criança, sendo a cefa- uma cefaleia a possibilidade de uma lesão es-
leia bifrontal em 2/3 dos casos. No entanto, o trutural deve ser considerada.
início pode ser unilateral. A duração da cefaleia Os tumores cerebrais da criança têm, muitas
é menor do que no adulto, geralmente não ul- vezes, a cefaleia como sintoma inaugural. São,
trapassando cinco horas, e podendo ser infe- provavelmente, a hipótese de diagnóstico dife-
rior a uma hora. A cefaleia é, habitualmente, rencial da enxaqueca que mais a atenção me-
moderada a intensa. A instalação é progressi- rece dos médicos e o que mais apreensão cau-
va, embora o pico máximo de dor seja atingido sa nos pais. Nos tumores cerebrais, outras
mais cedo do que no adulto (15 minutos a al- manifestações aparecem habitualmente nos
gumas horas). O carácter da cefaleia é pulsátil, quatro meses seguintes ao início da cefaleia. Na
com exacerbação pelo movimento cefálico ou prática, se a cefaleia começou há mais de qua-
esforço físico de rotina. tro meses e o exame é normal, a hipótese de
Os sintomas acompanhantes mais comuns tumor é improvável. A ausência de história fami-
são os gastrointestinais (anorexia, náuseas com liar de enxaqueca e cefaleias relacionadas com
ou sem vómitos, diarreia). Admite-se, classica- o sono são prováveis factores de risco. As náu-
mente, que os sintomas gastrointestinais são seas e vómitos matinais precoces são um sinal
mais exuberantes na criança com enxaqueca do de alerta importante.
que no adulto. As crianças com semiologia de lesão neuroló-
Sintomas associados a descontrolo vasomotor gica estrutural devem ser sujeitas a exame de
podem ser relevantes (taquicardia; palidez ou ressonância magnética nuclear (RM) com gado-
rubor; alterações de humor, apetite, sede, tem- líneo, embora a RM de rotina e a TC com con-
peratura ou balanço de fluidos; bocejo, soluços, traste possam ser aceitáveis.
sensação de desconforto extra-craniano, embo- Em geral, se a história é curta (menos de seis
ra raramente dor, abdominal ou com outras lo- meses) e a criança tem menos de seis anos, um
calizações). Fonofobia, fotofobia e osmofobia exame de imagem deve ser considerado. A neu-
podem também ocorrer, em conjunto ou isolada- roimagem pode, ainda, ser útil em:
mente. Embora a maioria das crianças com en- – Alterações neurológicas (crises epilépticas,
xaqueca não tenham síncope, a enxaqueca é deterioração cognitiva; alterações motoras,
uma causa frequente de síncope na criança. de personalidade ou comportamento; altera-
As crianças podem experimentar todos os ções visuais; exame neurológico alterado).
tipos de auras descritos no adulto, e a sua – Evidência de doenças sistémicas.
prevalência é provavelmente igual ou supe- – Paragem no crescimento.
rior (10 a 20%). A aura visual ou, menos, – Aumento do percentil do perímetro cefálico.
sensitiva ou motora, pode preceder a cefaleia – Aura atípica.
em 20 a 60 minutos em um terço das crianças, – Unilateralidade não alternante da cefaleia.
mas a patognomónica fortificação cinética com – Localização occipital persistente.
bordadura cintilante é relativamente rara. – Progressão de padrão, frequência, duração
Irritabilidade, indisposição e hiperactividade ou intensidade.
precedem, muitas vezes, a cefaleia. – Interrupção do sono.
Factores precipitantes ou exacerbadores in- – Associação a manobras de Valsalva.
cluem o stress (estudo, exames, excesso de – Ausência de resposta a analgésicos co-
actividades extra-escolares, problemas familia- muns.
res), horários irregulares (refeições, sono), mens-
truação, pequenos traumatismos cranianos, Enxaqueca hemiplégica familiar
exercício físico pesado, alterações climáticas, A enxaqueca hemiplégica familiar é uma for-
medicamentos adrenérgicos (anti-asmáticos, ma rara de enxaqueca com aura, autossómica
por exemplo). Substâncias alimentares são me- dominante de elevada penetrância. O espectro
nos importantes como factores precipitantes de apresentação, dominado pela hemiparesia,
(chocolate, queijo, cafeína, álcool, especiarias, é muito variável em gravidade, podendo incluir
nitratos, glutamato monossódico, outros aditivos crises epilépticas. A recuperação é habitual-
alimentares). mente completa, com possível excepção de
O sossego, repouso em ambiente escuro e o famílias com envolvimento cerebeloso progres-
sono são factores de alívio na maioria das crian- sivo.
ças com enxaqueca. Clinicamente, podemos dividir as famílias em
Na presença das seguintes condições o diag- dois grupos:
nóstico é seguro: 1. história familiar; 2. história – EHF «pura», em que o exame neurológico
típica; 3. exame físico normal; 4. ausência de entre paroxismos, de todos os seus mem-
sintomas entre os episódios. bros, é normal (80 a 85% da famílias).
O principal diagnóstico diferencial da enxa- – EHF «com sinais cerebelosos permanentes»,
DOR queca é a cefaleia de tensão episódica; a maio- em que alguns doentes apresentam ataxia
e/ou nistagmos independentes dos episó-
ria das cefaleias inexplicadas da criança está
20 relacionada com enxaqueca. Apesar disto, na dios paroxísticos (15 a 20 % das famílias).
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