Page 23 Volume 17 - N.3 - 2009
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pela procura curiosa do outro, pelo interesse Partindo do pressuposto que a dor não pode
genuíno e vivo. Na fuga, cria-se uma experiência estar ausente da personalidade, porque inscri-
emocional não dolorosa através da negação ta fundamentalmente na condição humana, só a
dessa mesma dor desconhecida e aceite como podemos transformar numa emoção tolerável
tal, muitas vezes, através de inferências como através do pensamento que germina na quali-
«conheço tudo sobre esta doença ou sobre este dade da relação estabelecida entre cuidador
doente», esquecendo que a experiência subjec- e doente, entre nós e os nossos pacientes.
tiva de dor é sempre única e intrinsecamente A questão da relação terapêutica com os do-
relacionada com a história individual e as me- entes coloca-nos, enquanto técnicos de saú-
mórias de cada um. de, mas também enquanto seres humanos com
Estes doentes, paralisados pela dor, com rigi- as nossas vivências subjectivas de dor para lá
dez e contenção emocional, que não são capa- dos saberes profissionais, o desafio de poten-
zes de comunicar pelo movimento externo ou cializarmos também a nossa capacidade de to-
interno livre, criativo e intencional, colocam gran- lerância à dor, condição necessária e fundamental
des dificuldades aos profissionais de saúde. para que o movimento de tolerância à dor possa
Confrontando-nos com a nossa impotência e o também aumentar nos doentes.
limite das nossas intervenções ou capacidades,
fazem-nos sentir paralisados na nossa acção, Bibliografia
transmitindo-nos de forma inconsciente a sua 1. Belo R. Comunicação pessoal; 19 de Janeiro de 2010.
própria incapacidade. 2. Ferreira RC, Karklis IP.A Dor: Uma Experiência na História [aces-
Por outro lado, temos de estar atentos à pos- so em 15/1/2010]. Disponível em http://www.sbhm.org.br/index.
asp?p=noticias&codigo=108
sibilidade de que podemos despertar no doente 3. Fleming M. Dor Sem Nome. Lisboa: Climepsi Editores; 2003.
sentimentos de ódio e inveja inconscientes que 4. Freud S. Esboço de Psicanálise. Vol. XXIII. Edição Standard Brasil-
levam a ataques à relação, tanto por sermos eira das Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago
percebidos como não tendo capacidade de Editora; 2006.
continente dos seus conteúdos dolorosos, como 5. Golse B. Do Corpo ao Pensamento. Lisboa: Climepsi Editores;
2002.
por sermos percebidos como demasiado com- 6. Martins JC. Comunicação pessoal; 19 de Janeiro de 2010.
preensivos, não nos deixando perturbar pela 7. Teixeira MJ, Yeng LT. Tratamento Multidisciplinar dos Doentes com
intensidade dos ataques à relação, parecendo Dor Crónica [acesso em 15/1/2010]. Disponível em http://www.
praticahospitalar.com.br/pratica%2035/paginas/materia%2002-
aos seus olhos seres indiferentes e distantes. 35.html
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